terça-feira, 25 de novembro de 2008

Geléias no campo

Eu sei, esse texto já ta batido. Mas mais do que uma preparação para o que estava por vir, “Descer ao campo” de Yves Winkin me trouxe a lembrança de algo que eu já vivi. Fiquei pensando sobre isso e depois de ler o post da Isadora (http://comunicacaoeculturasurbanas.blogspot.com/2008_09_01_archive.html ), que fala sobre a necessidade de “saber o que olhar” a lembrança voltou ainda mais forte.

Pois bem, a história é a seguinte: quando eu tinha lá os meus quinze anos, resolvi que já era hora de começar a ganhar algum dinheiro. Por coincidência, a mãe de um amigo hippie que morava lá em Macacos estava lançando uma linha de geléias naturais e precisava de uma promotora – aquelas mocinhas que fazem degustação e, enfim, promovem o produto.

Lá fui eu, um tanto quanto apavorada, de uniforme e bandejinha na mão para o Verdemar, um supermercado super fino. Levei muitos “nãos” e um número infindo de “esnobadas”. No começo foi realmente bem penoso.

E o que tem Yves Winkin a ver com isso? Bom, tem que, depois de cinco meses naquele supermercado eu vendia geléia a rodo. Isso porque passado todo esse tempo eu já sabia exatamente quem abordar. Sabia quem queria ouvir que o produto não possuía nenhum tipo de química e aqueles que só se interessavam porque a geléia era light e não engordava. Sabia quem entrava ali só para passar na seção da padaria – eles vinham todo dia à mesma hora – e quem vinha pra fazer compras da semana. Dava pra sacar quem eram as madames, com os carrinhos cheios de importados, que nem cogitam uma geléia de Macacos. Mães compram mais geléia do que garotões de havaianas, embora eles sempre aceitem uma torradinha. Vovós fazem geléia em casa ou trazem do interior. Em caso de casal, ofereça sempre para a mulher. Você começa a identificar os horários de pico do lugar. Começa a perceber quem são de fato clientes e quem são “acompanhantes”. Isto porque como a clientela do Verdemar tem um padrão financeiro bem alto (essa unidade ficava na Av. Nossa senhora de Fátima, a caminho do Belvedere, Sion, condomínios de Nova Lima, etc.) as babás, secretárias e motoristas geralmente acompanhavam alguns clientes.

O processo de ”saber olhar” ocorre de forma muito mais natural do que imaginamos. Acho que de maneira geral poucos de nós saíram para deriva sabendo exatamente o que olhar. Fico me perguntando o que os toureiros olham, por exemplo, e o que nos olharíamos se fizéssemos isso mais vezes.

Postado por Adriana Costa

Um comentário:

Comunicação e Culturas Urbanas UFMG disse...

Oi Adriana,

que relato bacana, adorei a história. Acho que para nós da comunicação, saber olhar o outro é fundamental para as estratégias de interaçao, de discurso, de enquadramento, de pôr em prática o processo comunicativo. Mas de qualquer forma, saber olhar é importante para todos e é importante sempre. Quantas vezes a gente passa por aí e nem olha quem está do nosso lado ou o que acontece ao redor. No centro, então, isso acontece muito. Tanta diversidade, por vezes chega a dar medo e então nos cegamos para o diferente e só fazemos o trajeto. Uma pena...
Vanessa Veiga