segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Olhe por onde você anda

Uma cartografia das calçadas do centro de BH no dia 2 de outubro

Vanessa Veiga

No dia 2 de outubro todos os alunos da disciplina Comunicação e Culturas Urbanas se reuniram para realizar a deriva no hipercentro de Belo Horizonte. Ainda que a data esteja bem marcada no calendário, a atividade da deriva começou bem antes disso. Desde os textos que discutimos na aula, a confecção do trajeto, ao caminho do ônibus que se dirigia para a Praça Sete, ponto onde marcamos de nos encontrar.

Quando começamos o trajeto, muitos não tinham pensado no que observar durante o caminho. Eu tentei me precaver e no ônibus fui articulando hipóteses do que poderia encontrar na deriva. À princípio pensei em observar duas coisas: a situação dos prédios no hipercentro ou então o comportamento dos transeuntes. Tudo caiu por água abaixo, ou melhor, calçada abaixo. A explicação é fácil. Tenho uma relação muito complicada com o centro de BH. Mesmo sendo Belorizontina, não acho o centro “lá grandes coisas”, ao contrário da minha irmã que idolatra o lugar e é incapaz de se perder nele. Eu, por outro lado, mesmo vivendo há 20 anos nessa cidade e sempre indo ao centro (onde se encontra os principais serviços públicos que precisamos, como hospitais) posso me perder assim que desço no ponto de ônibus. Desde pequena alimento um imaginário de que o centro é um lugar cheio de pessoas, de pessoas estranhas, cheio de tumulto, de barulho, de sujeira. Destaque para a sujeira. Durante a deriva meus sentidos se perderam na imensidão e na confusão do centro e de repente me encontrei no lugar de sempre: observando a sujeira das calçadas. Um misto da imagem de minha infância com o jeito manuelística* de ser que não me deixa.

Pois bem, e qual era o cenário do centro no dia 2 de outubro? A rotina era de uma quinta-feira comum, mas faltavam apenas 3 dias para as eleições municipais. Algumas obras eram realizadas em passeios na avenida Afonso Pena com a rua Tupinambás.

O MAPA DAS CALÇADAS

De onde saímos, a Praça Sete, o lugar era inexplicavelmente limpo (a praça é um dos pontos mais movimentados de toda a cidade. O fluxo de carros e pessoas é grande, assim como a quantidade de estabelecimentos comerciais). Demonstração do tanto que a revitalização do lugar é forte. Descemos em direção a rua Tupinambás, passamos em um trecho com obras no passeio. A poeira era inevitável. Ao entrar na rua Tupinambás, as sombras das árvores montavam um cenário mais calmo. Eu que esperava encontrar muitos “santinhos” de vereadores nos chãos, dei de cara com um lugar limpo, calmo, ainda que cheio de comércios antigos, bem no centro de BH. Continuamos caminhando e chegamos às proximidades da rodoviária. Gradativamente, a sujeira vai aumentando nas calçadas. Na rua Guarani, o piso está mal feito, quebrado e atrapalha a caminhada. Na praça da rodoviária, há um fedor, escorre-se água (ou esgoto) em alguns pontos das ruas. Indo pela avenida dos Andradas, em direção ao portão de saída dos ônibus da rodoviária, a sujeira diminui. Nessa avenida há menos fluxo de pessoas, enquanto os automóveis andam em uma velocidade mais rápida e não podem estacionar no entorno da avenida. Deixamos a Andradas e viramos para a rua Oiapoque. A rua do mais famoso shopping popular de Belo Horizonte é suja e tem uma aparência marginalizada. Essa aparência mais carente de cores, de cuidado, com um tom mais de periferia e lugar de um parte da população que é excluída socialmente se repete na rua Guaicurus. O piso da rua é todo atrapalhado. Alguns momentos ele está inteiro, outros, totalmente quebrado. Há muitas motos estacionadas e cachorros dormindo na rua. Deixamos a rua Guaicurus e nos aproximamos do fim do nosso trajeto. A rua Rio de Janeiro é a que mais se destaca, aos meus olhos, em relação a sujeira. Enquanto o piso da rua está ótimo – devido as obras de revitalização – a imundice está presente lá. Finalmente me sinto em época de eleição e vejo milhares e milhares de santinhos de candidatos a vereador ou a prefeito espalhados no chão. Quando nos aproximamos do encontro da Rio de Janeiro com a Afonso Pena, o trecho só permite a passagem de pedestres, e é aí que se acentua a papelada no chão.

Esta é uma pequena cartografia do chão do centro de BH. É interessante perceber como que, à medida que nos aproximamos de lugares tratados socialmente como marginalizados – como a rodoviária e as ruas Oiapoque e Guaicurus – há uma sensação maior de que o extremo cuidado com a limpeza foi deixado um pouco de lado. Lá em cima, próximo a avenida Afonso Pena, um dos lugares de maior fluxo é bem mais limpo, como se a cada segundo um gari passasse para limpar. Isso só vai contra a regra, na rua Rio de Janeiro. O lugar se destaca por ser um espaço de sociabilidade, em que as pessoas podem sentar e conversar, sem se preocupar com os veículos, já que o encontro da Rio de Janeiro com a Afonso Pena é fechada para pedestres. Talvez esse seja um fator que aumente a produção de lixo, pois em lugares mais desertos, como a avenida dos Andradas, há quase nenhum papel no chão.

(*)Forma comum de se chamar membros e ex-membros do Projeto Manuelzão da UFMG no curso de comunicação.

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