Paper que busca refletir sobre as novas possibilidades expressivas dos meios digitais e circuitos de exibição
Por mais que a tecnologia tenha se desenvolvido, ainda hoje trabalhamos com uma noção de espaço pitagórica, ou seja, a de que antes de tudo havia um vazio em que surgiu um ponto, que se estendeu na linha, que se desdobrou em um plano, que se dobrou em um sólido, que projeta a sombra que é, aquilo que vemos. Não só vemos, como vivemos à sombra, que preenche o espaço como ilusão.
Mas o espaço só existe como espaço vivido, se o sentimos... a partir de nossa subjetividade. É através de processos de significação, em que atribuímos sentido às coisas, que construímos as nossas relações com o próprio espaço e com os demais. O geógrafo Milton Santos diferencia ainda a idéia de paisagem como sendo o conjunto de elementos artificiais e naturais que, num dado momento, caracterizam uma área; ao passo que o espaço seria o conjunto dos elementos da paisagem somado às vidas que o animam. Estamos portanto a falar de paisagens, espaços habitados pelos homens e construídos por ele em seus processos de significação.
Quando transferimos esta idéia para a contemporaneidade e para a realidade urbana, nos defrontamos com uma paisagem em que cartazes, outdoors, anúncios em postes e colados nos muros, apelos visuais das mais diversas formas, cores e funções clamam por nossa atenção e mais, por sua leitura.Uma leitura que deve ser múltipla, não linear, descontínua devido à própria condição em que se dá, leitura em e no trânsito. Dos carros, dos ônibus, de bicicleta ou a pé, buscamos dar sentido a todos estes apelos visuais, que têm ainda contra, ou deveríamos dizer a seu favor, a sujeira própria da ruas dos grandes centros urbanos, a fumaça, a poeira do asfalto, as interferências e apropriações daqueles que circulam pelas ruas e que ora rasgam pedaços destes cartazes, grafitam ou mesmo pregam cartazes, uns por sobre outros em uma profusão se sobreposições, obliterações, colagens e superposição de sentidos e significações.
Se por um lado esta "sujeira" e/ou descontinuidade poderia ser entendida como um ruído na comunicação, segundo os princípios da teoria da informação, por outro ela é a própria característica da comunicação contemporânea, sua marca.
Esta peculiariedade pede portanto ser entendida, e mais, utilizada se pretendemos nos fazer comunicar em tais paisagens urbanas.A compreensão e atribuição de sentidos e signicados passa hoje, necessariamente por tais elementos. Se a velha máxima, "uma imagem vale por mil palavras" já podia ser considerada como verdadeira desde tempos remotos - não é necessário lembrar que das pirâmides egípicias às igrejas barrocas, era através de imagens que se falava às massas iletradas - hoje, mais do que nunca ela se torna presente.Mensagens cada vez menos fonéticas e mais visuais, estão a todo momento nos comunicando aquilo que nos serve como parâmetros para a construção e atribuição daquilo que um dia costumavam-se chamar "identidades sociais".
Da política e da filosofia, dos valores raciais e de genêro manifestos nos grafites; aos sonhos e hábitos de consumo dos anúncios publicitários, passando pela moda, investida de valores simbólicos e identitários, dos transeuntes punks, hippies, góticos, clubbers, boys e bad boys, peruas e empresários engravatados..., dos apelos sexuais dos postêres e capas de revistas aos modelos e padrões estéticos difundidos por e para todos, tudo se expressa de maneira descontínua, sobreposta, paralela e ruidosa nas ruas das cidades. Nos telefones celulares, pagers, walkmans, jornais, revistas e livros; nos rádios, painéis eletrônicos e laptops uma nova sociedade se manifesta e se constrói.
Os antigos valores, conceitos e distinções entre público e privado, entre individual e coletivo, entre o meu e o seu se esvaem e em seu lugar novos agenciamentos de sentido e de significados se manifestam. E o que há para ser representado exige novas posturas e novos instrumentos, se antes tinhamos um público acostumado a histórias com começo meio fim, moçinhas e moçinhos, bandidos bem caracterizados e que representem seus pápeis sem deixar dúvidas quanto a se estão do lado do bem ou do mal... (claro sempre houveram dubiedades que possibilitavam outros tipos de identificação para o jovem rebelde, ou a moçinha que não queria ser apenas aquilo que sua mãe era), hoje cada dia mais, "estamos vivendo uma paisagem midiática muito mais complexa e muito mais engendrada na vida social" do que aquela vivida nos tempos da criação do cinema; não podemos nos esquecer que o cinema surge entre outras, da necessidade de se criar uma diversão para as emergentes massas dos centros urbanos produzidos pela revolução industrial, que necessitava de lazer e diversão, principalmente em grupos, para reafirmar sua identidade e para possibilitar a perpetuação da espécie.
Quais seriam então as possibilidades e necessidades desta contemporânea realidade? Realidade em que televisores, computadores, pda's, dvd's, celulares, outdoor's eletrônicos espalhados pelos centros urbanos suplicam por nossa atenção ("why can't I walk down on the streets free of suggestion?", se pergunta Ian Mackeay do grupo Fugazi)? Não há dúvida que as necessidades de identificação e perpetuação da espécie se mantêm, mas de que forma poderiam se dar?
Quanto às mudanças de circuitos de recepção sugerida por estas manifestações artísticas, fico pensando que hoje as obras são feitas para circularem sobre diversos suportes, uma "facilidade" do digital, e para tanto devem sofrer transformações, adaptações, traduções, uma "dificuldade" do analógico. Entretanto, tal trânsito de mídias e sua necessária tradução abre por vezes não apenas a possibilidade de "novas poéticas", como também o surgimento de obras "mutantes", adaptativas que se adequam ao seu novo espaço de exibição à medida em que são requisitadas. Em cada uma de suas transformações atendendo às novas necessidades expressivas da obra mesmo e de seu autor.
Em uma cultura cada vez mais cíbrida, esta se atualiza por processos de emulação e, além disto, demanda por novas práticas de memória e concepções de/da história. O narrado não é apenas aquilo que vemos, é tanto, ou mais aquilo que percebemos, e como o percebemos. A tela já não é aquele espaço privilegiado de onde assistmos o mundo, é onde o mundo acontece. O espaço que preenchemos com nossa subjetividade e o espaço no qual manifestamos a nossa própria existência. Conectados à ela construímos, à sombra, a realidade em que vivemos. "Sending there our comands" propomos ao outro nossa realidade.
"As palavras e as coisas - uma arqueologia das ciências humanas"
Foucault, Michel - 8a edição/3a tiragem -Martins Fontes - SP/2002
"Me ++ - The Cyborg Self and the Networked City"
Mitechell, Willian J. - MIT Press - Cambrideg/2003
"A natureza do espaço - técnica e tempo/razão e emoção"
Santos, Milton - 3a edição - HUCITEC - SP/1999
Postado por Rafael Cerqueira
Um comentário:
Rafael,
Acho que faltou colocar a autoria do texto: Prof. Rodrigo Minelli do DCS, ok?
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