quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Buenos Aires, Cidade, Política, Cultura

Prezados,
estou postando um texto complementar ao seminário "Imaginarios urbanos e imaginación urbana", do dia 06/11. Este artigo, de Osvaldo Coggiola, da USP, traça um perfil sócio-histórico-cultural da cidade de Buenos Aires.


Postado por Rafael Cerqueira

texto

terça-feira, 28 de outubro de 2008

RELATO DA DERIVA NO CENTRO – Isadora T. Vilela

Quanta contradição! A minha última postagem, que antecedeu nossa atividade de deriva no centro da cidade, tematizava a importância de levar à campo um “problema de pesquisa”, algo que pudesse orientar nossos sentidos na busca de algum tipo de informação delineada por um interesse pré-estabelecido. Só posso dizer que, no parâmetro metodologia, minha experiência na deriva foi um fracasso!

Eu carreguei comigo, além do caderninho de campo, câmera fotográfica e gravador. Não consegui usar nenhum deles com precisão e constância. Sentindo-me realmente à deriva, em cada momento quis observar alguma coisa diferente. Primeiro, foram as infrações de trânsito - que eu tentei capturar com a máquina, mas a pilha tratou logo de acabar nos 15 minutos iniciais. Depois tentei acompanhar o estado das calçadas, pensando em relacioná-lo às localizações no centro e seu lugar na “hierarquia da luminosidade” da cidade. Já sem a câmera tentei representar com desenhos e algumas anotações, características das pessoas que eu via enquanto caminhava: posição em que seguravam as bolsas e mochilas, por exemplo. Depois tentei continuar o registro sonoro que uma colega havia começado, mas ela tinha, já na Rua Rio de Janeiro, sua fita cheia. Todas as tentativas duraram menos tempo do que deviam – inclusive para que a informação captada pudesse ser posteriormente sistematizada – e os registros ficaram muito pouco inteligíveis (dos desenhos, nem se fale!).

Re-avaliando a relação “objeto-tempo de observação” na minha experiência de deriva, posso dizer, com segurança, que o que mais observei, no final das contas, foi nosso próprio grupo. Isso porque caminhei a maior parte do tempo na ponta de trás do grupo onde estavam nossos fotógrafos, e quando percebi, eu já tinha me incumbido da tarefa de não deixar ninguém para trás e tentar evitar que alguma câmera fotográfica ficasse também para trás nas mãos de um não-dono.

Bom, algumas reflexões surgiram depois da deriva, quando comecei a pensar nas relações que se estabeleciam ali, naquelas ruas do centro da cidade, quando alguns meninos do nosso grupo direcionavam suas câmeras fotográficas para determinados lugares.

Uma primeira reflexão diz respeito ao próprio ato de fotografar: quando tiramos as máquinas das bolsas – e isso significa que desejamos, a partir desse momento, não ouvir, não escutar, mas VER e fotografar determinadas coisas – podemos dizer que nos apropriamos de formas de ver que são diferentes do que fazemos normalmente? O que eu quero propor, é que, de certa maneira, quando nos posicionamos como fotógrafos, estabelecemos uma outra relação com o mundo, relação essa intermediada pelo olhar mais do que por qualquer outro sentido, e que, principalmente, difere da relação do transeunte que vê o mundo, por exemplo. Acredito que meus colegas com as máquinas fotográficas nas mãos observaram coisas diferentes dos que usaram gravadores de som, e diferentes do que eles mesmos observam quando estão despidos do “papel de fotógrafo”, e essa diferença é resultado, não só das características subjetivas de cada um deles, mas do intermédio que a câmera oferece entre eles e o mundo.

Uma segunda reflexão, refere-se ao valor da foto enquanto registro da realidade: comparando o que cada um dos meus colegas escolheu fotografar (a partir do que pude observar durante a deriva) quando situados nos mesmos espaços e defrontados pelas mesmas situações, me pergunto se nossas fotografias revelam o que na realidade existe ou o que cada um percebe da realidade? Isso é, as fotos nos mostram as coisas como elas são ou nos mostram a nós mesmos? Essa é uma discussão complicada e eu não me arriscaria a adentrá-la, mas acho que seria um exercício interessante comparar as fotografias (produzidas ou tiradas?) da nossa deriva.

Por último, apenas aponto alguns aspectos interessantes das relações “fotógrafo-fotografado” que se estabeleceram durante o percurso da deriva: algumas fotografias (principalmente no começo da caminhada) foram feitas sem que se pedisse autorização das pessoas fotografadas, o que gerou algum desconforto por parte dessas pessoas (que felizmente reagiram só com caretas) e demandaram a “bem-vinda” intervenção da Milene, que se prontificou a esclarecer o que fazíamos ali. Depois os fotógrafos do nosso grupo começaram a pedir permissão para fotografar as pessoas, e, a partir de então, pudemos ver as mais diversas e engraçadas reações: alguns negaram (seria receio pelos possíveis usos que poderíamos fazer das imagens – reconhecendo seu aspecto de registro da realidade?); alguns relutaram (argumentando estarem feios, por exemplo) mas aceitaram; alguns não só consentiram o click, mas, fizeram poses e mais poses estáticas, acredito que já se imaginado no retângulo da fotografia...

O que percebi, independente de que se percebesse ali o papel de ver como um fotógrafo, ou da intenção de criar ou reproduzir alguma coisa, os fotógrafos do nosso grupo se divertiram muito, interagindo com as pessoas e os lugares de forma como, eu acredito, nunca fizeram antes e se relacionado de outras maneiras com o Centro de Belo Horizonte.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O que passa e o que permanece

A efemeridade das relações que se constrem no centro versos as relações que passam pelo centro de Belo Horizonte

Quando cheguei à praça sete e comecei a pensar no que escolher para observar fiquei um tanto confusa com a profusão de acontecimentos. Enquanto pensava observei um contraponto comum. Quem passa pelo centro e quem está no centro. Porém, uma observação deste tipo é algo simples faltava um componente. Foi ao reparar um casal que dava andava apressado de mãos dadas e, um pouco antes um grupo de artistas de circo no sinal da rua Tamoios esquina com Afonso Pena, que decidi um foco. (foto1 e 2)



foto 2

foto 1
Resolvi lançar um olhar diferenciado sobre as relações interpessoias e o tempo no centro da cidade. Ou melhor, na região do hipercentro percorrida pelo nosso grupo. O que procurei fazer – claro que de forma muito superficial dada a esta ser a primeira vez que atentava para o fato - foi perceber a diferença entre as pessoas que passam correndo pelo centro com pressa e as que estão no centro. Afinal, quando digo que estão isso engloba o trabalho, uma campanha política, uma tentativa de conseguir emprego, uma rotina de freqüentar o centro. Talvez esta seja a região da cidade com maior diversidade em termos dos objetivos que levam uma pessoa ao centro.
Este era o princípio do meu recorte. Um segundo ponto para completar o primeiro. A localização também interferiria? Nas minhas andanças pelo centro sempre tive uma impressão. A rua da Bahia no cruzamento com a Afonso Pena era um divisor social. É que acima da Afonso pena, temos Othon (hotel) e subindo a Bahia vamos em direção ao Bairro de Lourdes e à região da Savassi. Com isso observamos restaurantes e um comércio que se desenvolveu com muitos cafés/confeitarias. Nelas muitos executivos, professores, intelectuais, trabalhadores de bancos e escritórios da ragião. Mas enfim essa área não é o foco. Dessa vez me reteria nos quarteirões abaixo à Avenida. Logo, na primeira esquina em contraposição ao hotel temos, um restaurante bem simples, seguido de um buteco. Um local com pouca iluminação, homens bêbados as três da tarde e olhares tristes. Nos muros da rua muitos cartazes de propagandas de todo tipo sobrepostos. No final do quarteirão, o viaduto Santa Tereza. Nesta esquina pessoas apressadas, elas não perdem o ritmo olham para baixo, Se alguém para pedindo uma informação vão andando e falando numa ânsia em passar dali. Ao mesmo tempo, alguns homens sentados à escada de galeria que dá com no início do viaduto, fumam tranqüilos riem. São os moradores de rua. Descendo ainda mais percebo aquele é o lugar dos sem lugar, o quarteirão logo após a Avenida Afonso Pena.
Então, fixei meu olhar nas relações das pessoas no hipercentro e destaquei com cuidado um local sem dono e de medo para a maioria da população, esse trecho de dois quarteirões da rua da Bahia (entre o viaduto e a Afonso Pena).
Começando, por alto percebi que o número de relações que se estabelecem efêmeramente – pedido por informação, vendedores ambulantes, conversas em ponto de ônibus – são bem reduzidas no trecho dos dois quarteirões. As duradouras entre moradores de rua, freqüentadores do buteco são freqüentes e ao contrário do que acontece no resto do hipercentro são estáticas. Que quero dizer com estáticas? Bom as relações pessoais que observei na região percorrida se evidenciavam por mãos andando juntas, amigos ou parentes indo ou vindo de algum lugar, conversas durante a espera do ônibus, colegas de trabalho. No entanto, essas pessoas não exibem sua relação e intimidade apenas deixam um rastro que elas existem quando passam nas ruas. Ao contrário no trecho citado acima, o ritmo é menos intenso, o fluxo de pedestres também e quem está ali, mora, ou freqüenta regularmente e deixa mostrar-se em momentos de conversas demoradas, de cochilos no chão, de arrumação de carrinhos, simultânea à conversa com um amigo que faz a mesma coisa.
Como exemplo, três moradores de rua estavam conversando na escada da galeria que mencionei a pouco. Uma de nossas colegas tirou um foto, ela observava o vestuário das pessoas no hipercentro.O senhor fotografado logo veio tirar satisfações. A pergunta que fez: "E se eu tivesse fumando maconha? E se a polícia vê?". Depois de alguns segundo atentei que o significado daquela "conversa de rua" para nós, era outro bem diferente para ele. Uma intimidade invadida.
Continuando vou me ater um pouco agora no próximo local do percurso. Mas antes, uma ressalva. Apesar de termos partido da Praça Sete, pelas características que encontrei e por terminarmos o percurso lá também, resolvi deixa-la para o final.
O próximo local é a Avenida dos Andradas. O fluxo é intenso e interações acontecem em pontos de ônibus. A maioria é de relações sólidas – amigos, colegas, parentes – que conversam e ficam inquietos em esperar o transporte. Chegando à Praça da Estação, um ponto de parada. Pessoas apressadas, correndo para atravessar a rua existem, mas se contrapõe a estes dois homens, por exemplo, que sentam no banco para ler o jornal.(foto3). Um pequeno detalhe, estávamos no meio da tarde!

foto 3

Em outro banco o casal de namorados parece tranqüilo, despretensioso(foto 4).

Pareciam não reconhcer ou se importar com o mundo em volta. Interessante reparar que há dois anos atrás era raro ver alguém que não fosse morador de rua tão à vontade no espaço. A reforma feita pelo governo do estado foi acertada nesta localidade. Mas a mudança não foi tão radical, um senhor que conversa com um jardineiro não parece assim tão à vontade. Eles comentam algo sobre o jardim, depois parecem notar nossa presença e o senhor fica mais intrigado reparando no que fazemos. Ele está claramente de passagem. A conversa com o outro é efêmera, do instante. Talvez ele "faça uma horinha" esperando por outra pessoa. (Foto 5)



foto 5

Seguindo em frente chegamos à rua dos Guaicurus. É quase dispensável dizer o quão efêmeras são as relações neste trecho mais conhecido como “a zona” da cidade. Não consegui bem identificar o que se passa no local. Muitas pessoas no ponto de ônibus estavam claramente incomodadas, duas mulheres reprovavam, outras duas que conversavam, em trajes curtos e rindo sobre a noite passada. Em muitos estabelecimentos de portas pequenas, vários homens na porta todos pretendem fazer outra coisa e disfarçar uma fila, que siginifica a espera por uma mulher. As relações parecem fáceis e rápidas. Ninguém quer se demorar, nem deseja ser visto. As duas amigas que conversam não se importam, diferente de quase todo o resto. Elas, assim como os moradores de rua, têm ali o seu espaço. A rua acolhe mais, é mais privativa que o local onde moram. Uma delas comenta: “Menina não falei nada lá dentro porque sabe, a X ta sempre lá.”
Subindo na Guaicurus no quarteirão acima da Av. Santos Dumont, a rua dá lugar ao intenso comércio. Na esquina um açougue e na porta dois vendedores ambulantes tentam convencer quem passa a comprar alho. Um dos homens aborda, literalmente, quem passa pelo local.(foto 6). Esta relação já é bem próxima das muitas que se misturam na Av. Afonso Pena sentido Praça Sete. As pessoas passam rápido, quase sem parar e quem está vendendo tenta chamar a atenção, em um diálogo rápido de poucas palavras, no qual um olhar já diz muito.

foto 6

Na Praça Sete. O local é de mistura de funções, de pessoas, de ritmos. Seja no andar, na diversidade de sons, na pluralidade de serviços. Neste conjunto de características as relações são como as outras já citadas aqui. Pessoas pedindo informação, no ponto de ônibus, esperando por alguém, comprando algo, vendendo. Efêmeras! Mas é no mesmo espaço que estão os famosos “velhinhos do xadrez” ou os “senhores do café Nice”. Para eles o lugar é ponto de encontro de amigos, de prazer. Eles passam horas todos os dias nessa rotina, tão calmos e alheios. Em contraponto às interações de jovens que costumam passar correndo pela Praça Sete, eles vão à Praça Sete. (Foto 7)

foto 7
Depois de concluir o texto e o reler pensei na relação que guarda com o texto que lemos para a aula passada. Porém como fiz um relato preferi utilizar minhas percepções ao invés de buscar uma teoria. Seria muito arriscado analisar tais percepções por enquanto. Mas admito que a questão da desterritorialização e reterritorialização permeia todas as relações que pude observar, são poucos os casos que pareceram escapar ao significado do espaço para as pessoas.


Alexandra Duarte

domingo, 26 de outubro de 2008

Impressões Fotográficas

Comecei minha deriva cartográfica com uma câmera fotográfica na mão e sem uma idéia pré-concebida do recorte para o qual eu iria direcionar meu olhar naquela profusão de imagens, sons, cheiros, pessoas, objetos e sensações concentradas no espaço do centro de Belo Horizonte.

Durante a caminhada, minha escolha foi se esclarecendo. Muito contribuiu para que eu pudesse entender toda a minha percepção daquele dia, uma discussão tida em sala de aula a respeito de experiência estética, arte urbana e a idéia do que é o belo e a leitura do texto “Fotógrafos viajantes, mediação e experiência”, de Daniela Palma.

De início, meu olhar foi direto para os grafittis (o que eu já imaginava que iria acontecer, pois é algo que adoro). Contudo, apesar da beleza que esse tipo de arte carrega e do prazer estético que me proporciona, não achei suficiente direcionar minha visão apenas para algo que já estava ali, pronto e facilmente reconhecível. Foi então que comecei a fotografar tudo que achava belo, me instigava, provocava interesse ou de certa forma me proporcionava uma experiência estética agradável.

Percebi que com a câmera eu poderia lançar um novo olhar sobre a realidade e produzir novas realidades, criar mundos. Fragmentos harmônicos ou inquietantes de um todo multifacetado. Através de um enquadramento, um recorte que se opera no tempo e no espaço, por meio da foto, se tornava possível reconstruir e resignificar aquele espaço, revivê-lo.

Quando vi as fotos, achei que o material estava bastante diverso e abrangente. Pensei que seria difícil transmitir a idéia do que me fez olhar para tudo aquilo e alcançar uma unidade. Nesse sentido, a discussão em sala de aula me ajudou a enxergar o quanto são tênues e discutíveis os limites entre o que é institucionalmente considerado como arte, o que se configura como arte para uns e para outros, a idéia do que é belo e as experiências estéticas possíveis diante de determinados objetos.

Não acredito ser possível estabelecer uma correlação necessária entre pobreza e sujeira com degradação e feiúra. Quanto mais adentrávamos o centro, o que mais me extasiava era exatamente essa mistura de cores, o deslocamento das coisas de seu “lugar” de origem ou costume, o contraste entre o que está em movimento e o estático, entre o limpo e o que foi degradado, o novo e o antigo.

Em uma foto podemos enxergar a simultaneidade e interação de tempos diversos num mesmo espaço, através dos vestígios do passado que contrastam com o moderno ali presente. Isso é visível, por exemplo, num lugar em que coexistem carros estacionados na frente de uma casa de arquitetura antiga marcada pelo tempo e pelo homem, com pichações e publicidades de candidatos à eleição desse ano.

Também me despertam interesse as linhas imaginárias produzidas pelo posicionamento de placas dos mais diversos tipos e aquelas linhas que existem de verdade, como as da fachada de um prédio abandonado, com a marca da pichação. Ao aproximar a lente da câmera desse prédio, o peso das diagonais azuis cortando as diagonais brancas fica tão forte que aquilo se assemelha a um quadro. De muitas formas, é possível jogar com essa infinidade de imagens que constituem o que, muitas vezes, chamamos de poluição visual, e sair do repertório universal a qual estamos acostumados e dos vícios de um cotidiano maçante para encontrar e vivenciar coisas novas e curiosas.

Nesse sentido, eu acredito ser possível experimentar o mundo através do visor de uma máquina. Susan Sontag diz que o ato de fotografar constitui um acontecimento, pois interfere em nosso sentido de localização. Nos faz perceber o tempo como uma sucessão de fatos, dos quais selecionamos os que nos parecem valer a pena registrar. Então quem fotografa não é um mero espectador, é alguém que constrói um olhar através da mediação tecnológica. “Fotografar é participar”.

Enquanto fotografava, ao mesmo tempo que o visor se constituía em uma barreira física e me distanciava do espaço, eu alcançava uma aproximação da realidade percebida, conseguindo transpor em outros campos essa distância física.

Seguem aí algumas fotos que reproduzem o meu olhar sobre essa realidade. Talvez para mim elas signifiquem algo e assumam significados diferentes para quem as ver. Podem também não passar idéia alguma... Mas compartilho um pouco do que apreendi na minha deriva.










Texto e fotos: Paula Santos Silva

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Os “toureiros”

Quando iniciamos nossa deriva no centro da cidade, meu plano era registrar as formas de comunicação (anúncios de políticos, cursos de inglês, búzios, “traz a pessoa amada”, entre muitos outros) que são afixados nos postes de Belo horizonte. Essa era a idéia a priori.
No entanto, logo no início da caminhada, na esquina da rua Afonso Pena com a Tupinambás, me chamou a atenção um cego que vendia agulhas. A poucos metros dele, uma moça anunciava topar qualquer tipo de negócio envolvendo celular: “Celular...compra, vende, troca, desbloqueia.”Outro detalhe interessante: o botão de acionamento do sinal de pedestres era utilizado por ela como local de exposição da sua mercadoria. No cruzamento da rua Tupinambás com Curitiba, duas mulheres ofereciam os serviços de um dentista. A partir disso, comecei a me interessar por essas pessoas que faziam da rua o seu local de trabalho, e que, fui informado na aula seguinte, são chamadas de “toureiros”. Durante a deriva, portanto, meu olhar se fixou nas relações dos toureiros com o centro da cidade.
A princípio, o que me surpreendeu nos toureiros foi a diversidade dos produtos oferecidos por eles. Já me eram familiares os negociantes de celulares, de ouro e as vendedoras de fotos 3x4 que trabalham na praça sete. Contudo, ao longo da caminhada, fui percebendo que o leque de mercadorias e serviços era muito mais amplo: agulhas, descascadores de legumes, balas, vale-transporte, capas para celular, vassouras, bijuterias, meias, conserto de relógio, de guarda-chuva, salão de beleza, dentista, entre muitos outros.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi o modo como os produtos nos eram oferecidos pelos toureiros. Alguns expunham suas mercadorias em pequenos caixotes de madeira, em um balcão improvisado ou num pano estendido no chão. Outros sequer utilizavam tais acessórios, mantendo seus produtos na mão mesmo ou pendurando-os no corpo (como era o caso dos vendedores de colares). Naquele momento, essa prática me deixara curioso. Até que, durante a aula, fui lembrado de que a prefeitura proibira, há alguns anos, o comércio ambulante nas ruas. Tudo então passou a fazer sentido. Obviamente, os toureiros agem assim para que, a qualquer sinal de fiscalização, possam fazer uma retirada rápida do local. Trata-se de uma situação em que as táticas procuram escapar à estratégia, conforme diria Certeau. Proibidos de montar suas barracas nas ruas, os toureiros desenvolveram uma nova maneira de continuar trabalhando.
Mas graças às discussões feitas em sala na semana seguinte, outra questão me veio à cabeça: mais do que perceber as reapropriações do centro da cidade (não previstas pela estratégia) feitas pelos toureiros, o trabalho dessas pessoas é também um exemplo do potencial criativo dos indivíduos que se encontram em “condição de escassez”, como diria Milton Santos. Isto é, a diversidade – não só dos produtos, mas dos modos como eles nos eram oferecidos – que tanto me surpreendera durante a deriva, mostra como o “tolhimento econômico”(termo criado por Bráulio Siffert) suscita, mesmo que por absoluta necessidade de sobrevivência, a criatividade. E é justamente essa capacidade (necessidade) de criatividade que possibilita que os toureiros continuem driblando a estratégia, ressignificando e reapropriando os espaços do centro a seu favor.
Danilo Borges

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ação expositiva do Museu de Arte da Pampulha 2008

VOCÊ TEM UMA BICICLETA?


PROCURO 90 VOLUNTÁRIOS

COM BICICLETA

PARA REALIZAR UM TRABALHO DE ARTE

que acontecerá em dezembro / 2008

no centro de Belo Horizonte - MG – Brasil

Interessados em participar escrevam um email para xbicicletas@gmail.com

Deixe seu email que eu entro em contato.

de Sylvia Amélia, postado por Milene Migliano

Sons da Rua

Durante os relatos das experiências vividas no centro da cidade, percebi que o meu sentimento em relação a esse local é comum ao da grande maioria das pessoas que também percorreram o caos e a bagunça desses contornos. Algo comum também, foi não possuir uma idéia certa quanto ao que fazer diante de tantas informações, lançadas a nós a todos os momentos, através de imagens, sons e cheiros. Procurar saídas e coisas diferentes dessa concepção de caos foi o objetivo de muitos, e se tornou também o meu. Afinal, estamos cursando essa matéria justamente para buscar fugir de uma visão padronizada e que já caiu, por motivos claros, no senso comum da população. População, cuja grande parte utiliza o centro como um lugar de passagem e de serviço, para ser usado e logo abandonado. Incluo-me nessa parcela, já que na maior parte das vezes em que vou a essa região, transformo-me em voyer e ajo de forma automatizada, como caracteriza Michel de Certeau. Sem me preocupar com o que está ao meu lado, quando vou ao centro preocupo-me apenas em fazer o que devo, para sair, o quanto antes, para um lugar mais calmo. E nesse momento, o aparelho de MP3 se transforma no melhor companheiro, evitando que o caos sonoro chegue aos meus ouvidos.

O som, portanto, foi o instrumento que escolhi para poder expressar minhas sensações em relação ao centro. Já um tanto quanto criteriosa nas minhas escolhas musicais, o centro, portanto, mostra-se um verdadeiro terror para mim. Trânsito, dezenas de vozes se misturando, músicas de lojas, gritos de vendedores...tudo se mistura, transformando o espaço em uma verdadeira desordem, que me estressa a ponto de me fazer querer sair o quanto antes daquele lugar.

Mas, como o desafio aqui está em buscar o outro lado da moeda, ou o lado B do disco, já que estamos falando de som, achei, através de uma música do grupo Tambolelê, uma forma de transformar o barulho em algo, se não prazeroso, ao menos mais divertido e lúdico. A música se chama Carijós com Paraná. Nela, o grupo brinca com os sons das ruas, provavelmente vindos desse cruzamento, gerando um som com ritmo interessante e divertido.

Assim, também fiz uma brincadeira com os sons que registrei no mesmo aparelho MP3 que uso pra fugir dos mesmos. Foram 17 arquivos, compostos por barulho de trânsito, de comerciantes (incluindo o famoso alho a dois reais), de polícia, de pastor, de protestos, de passantes, além de músicas que estavam tocando em lojas, às quais agradeço por terem servido como trilha de fundo. Aí vai:

www.mp3tube.net/br/musics/Comunicacao-e-Culturas-Urbanas-Sons-da-Rua/226461/


Música do Tambolelê - Carijós com Paraná

www.mp3tube.net/br/musics/Tambolele-Carijos-com-Parana/226462/


Ana Cláudia Paschoal


quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Novas Sensações

Ao reler hoje uma frase de Fernando Pessoa, relembrei a vontade que me arrebate toda vez que passo pelo centro afoita por apreender seus detalhes:

"Queria vomitar o que vi só da náusea de o ter visto. Estômago da alma alvorotado de ser".

Carla Pedrosa

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Centro - o coração da cidade

Ao descer ao centro, me deparei com a mesma sensação de desconforto sentida muitas vezes antes. Como Wenders escreve, a cidade atordoa e repulsa as pessoas; o centro é somente um lugar de passagem, onde caminhamos rapidamente, tentando ignorar todas as informações que nos são atiradas na cabeça.
Mesmo sendo parados por pessoas que nos dão panfletos, santinhos e diversas outras coisas, não nos desviamos dos nossos caminhos já traçados, nem sequer levantamos os olhos e estabelecemos contato com o outro. As relações humanas realmente parecem ter desaparecido do centro de Belo Horizonte, e se esse é o coração da cidade, está mesmo pulsando fraquinho.
Sendo “forçada” a ficar no centro mais tempo que o estritamente necessário, a olhar e observar, consegui me abstrair de todos os chamados de atenção.
E foi aí que percebi um símbolo universal que se deixava entrever entre o emaranhado de imagens: o coração. Assim saí em busca do coração da cidade.


Lene Thomsen Andino

Centro - o coração da cidade- fotos parte 2




Wim Wenders e "A paisagem urbana"

A primeira pergunta que me veio à cabeça quando vi que o texto da próxima aula era de Wim Wenders foi: “o que um cineasta tem a dizer sobre comunicação e culturas urbanas?”
E a verdade é que tem muito. Wenders afirma ser o cinema uma manifestação surgida da vida urbana em cidades: ele nasce da cidade e dela trata, utilizando-se da linguagem universal da imagem.
A evolução da imagem e das grandes cidades
Assim como as grandes cidades, a imagem cinematográfica está em constante mudança e passa por inúmeras transformações. A evolução tecnológica trouxe uma idéia de proximidade entre imagem e expectador que só cresceu com o surgimento da televisão “live”; as evoluções mais recentes provocaram uma democratização total da produção e transmissão da imagem, chegando ao ponto em que todas as cópias compartilham da mesma qualidade. A imagem de referência, a “verdadeira”, se perdeu, assim como a credibilidade que ela carregava. Neste processo também se perderam as experiências que se compartilhava nos cinemas. Hoje o expectador se isola e experiencia a imagem sozinho, ou é bombardeado incessantemente pelas imagens no meio urbano em que vive. A capacidade das pessoas de ver e ignorar imagens em sucessão é muito maior, fazendo com que a imagem tenha que lutar por atenção em um espaço já saturado. A imagem que antes retratava, hoje quer vender.
A mesma triste evolução se nota nas nossas cidades. A cidade torna-se um local de relações comerciais, fazendo desaparecer as relações sociais no meio urbano. Tanto a cidade quanto o cinema desenvolveram um ritmo atordoante e complexo que estressa, provocando uma overdose de informação de imagens que acaba por cegar as pessoas. O desconforto causado por essa enxurrada de publicidade agressiva extermina tudo o que há de humano nos centros urbanos. Wenders afirma ainda que o homem tenta dominar a terra, enchendo-a de construções e formando as grandes cidades, mas ao mesmo tempo acaba por esvaziar os centros; na verdade o homem acaba por exilar a si mesmo da vida urbana, já que o fator humano não encontra aí espaço para existir ou se expandir.

A volta do humano nas cidades
A sugestão do cineasta é buscar nas cidades o mesmo que ele busca realizar em seus filmes: nem a imagem nem a paisagem urbana saturada tem valor em si própria, devendo novamente voltar a se relacionar socialmente com os seres que aí vivem, trazendo nessa relação uma gama de valores. A paisagem urbana não é morta, mas sim um elemento social vivo.
A paisagem urbana viva acolhe, inspira e situa o cidadão, construindo a identidade do mesmo. A cidade reflete o que as pessoas vivenciaram, exibindo por vezes feridas abertas. Um exemplo é o de Berlim depois da Segunda Guerra Mundial, ou num caso mais atual, do Ground Zero depois do atentado no World Trade Center em Nova Iorque. Essas brechas de vazio nas cidades tornam possível a (re)inserção do ser humano na paisagem urbana para que este possa refletir e compreender o todo, tanto sobre a cidade como a si mesmo. A construção, assim como o filme, deve manter essa relação aberta, preservando as ilhas urbanas como “pausas para respirar”.
Assim como nos filmes de Wenders, onde a relação frutífera entre imagem e espectador se dá na brecha, o retorno do homem ao centro urbano se torna possível através da preservação do vazio, fazendo com que o cidadão volte desse auto-exílio e se afirme pelo que realmente é, um cidadão urbano em harmonia com sua cidade. - Lene Thomsen Andino

Ground Zero, NYKaiser Wilhem- church como testemunha da guerra na Berlim hoje.

domingo, 12 de outubro de 2008

Detalhes

Apesar de ter saído a campo sem definir um recorte, acho que acabei encontrando um.
A observação da Dani e da Milene clarearam a minha visão sobre o meu próprio trabalho e me fizeram ver que o caminho que eu fiz tinha sim um traço meu.
A câmera fotográfica - extensão do meu olhar - captou no início do trajeto (Av. Afonso Pena) o que eu via de mais evidente: as pessoas. E foi nelas que comecei a buscar os primeiros detalhes.

Uma cor, uma conversa...

Seguindo o percurso, quando o fluxo de pessoas me pareceu diminuir, logo se ergueu em minha frente o Edifício Acaiaca. Aquele detalhe/entalhe imponente, que parecia observar.


Assim como a Carla, no post anterior, também fui arrebatada pelo sentimento de solidão que vi nas pessoas e em mim. Em meio às praças cheias de gente, cores, sacolas e pressas, encontrei pessoas que pareciam alheias e cansadas (na mente). Me posicionei bem em frente aos dois fotografados e o estado de transe deles me pareceu tal que minha presença evidente/inconveniente nem os incomodou.


Revendo as outras fotos e o que registrei na minha memória, concordo que minha deriva no centro buscava sempre o detalhe. Estava ali querendo ver com outros olhos a minha cidade e percebi que já enquadrava as pessoas e as coisas com os meus olhos de cidadã comum.

Algumas das pessoas que passavam pelo nosso grupo deviam pensar "Gente, esses meninos tão tirando foto de quê? De calçada, rua, poste, parede suja?". Acho que seria legal se todo mundo soubesse que inscreve seu próprio modo de ser na cidade, que quando caminha pela calçada está dizendo parte do que pensa. Acho que saber disso modifica nossa postura no cotidiano e nos faz mais críticos diante dos outros, do ambiente e de nós mesmos.

Para terminar, uma seqüência de pensamentos que percebi escritos nos bancos da Av. dos Andradas. Sigam o raciocínio (ou não):






Raíssa Pena

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A multidão de Solidão

“Para estar só na multidão é preciso distrair-se no detalhe”- filme “Almas Passantes”

Não é difícil distrair-se no detalhe quando se está diante de uma profusão de cores, sons, pessoas, imagens. E também não é difícil sentir-se só. Mas sozinho só fica quem não procura o contato, porque está anestesiado demais com a diversidade que o cerca, ou porque simplesmente quer abster-se dela.

Uma palavra, uma câmera fotográfica e um sorriso bastam para que as pessoas, a princípio tão desconfiadas e “distantes” possam, por um momento, sentir-se um pouco libertas da solidão.
Carla Pedrosa.

A multidão de Solidão


"Moça, tira uma foto minha com Papai Noel Vereador.. meu sonho de infância (risos)"





"Gosto de tirar fotos, mas só vou deixar você tirar uma foto se fizer a inscrição para a promoção do salão..
Então infelizmente não vou poder contar com sua foto no trabalho..
Ah não, moça.. pode sim! Qual pose fica melhor?
Finge que tá preenchendo meu cadastro no salão..
Deixa eu ver! Tá ótima! Brigada moça e coloca no jornal, viu? (risos)"





"Moça, eu não tenho foto... eu queria ficar com a foto!
Mas eu não tenho como te dar a foto agora, com esta máquina não é possível..
Então deixa eu me olhar mais um pouquinho... bonita!
Guarda a foto pra mim, então!"




"Oh Branca de Neve, deixa eu ser seu príncipe!

Oi príncipe! Posso tirar uma foto sua?
Até “treis”! Minha e do meu cão!
(posa sorridente para a foto)
Tchau princesa!
Tchau príncipe!"


"Moça, eu não posso tirar foto hoje porque “ranquei” o dente...
(mostra os pontos).
Não tem problema, não vai aparecer na foto.
Tá bom então... “Vô” tirar uma foto sério. Pode?
Claro que sim! Ficou ótima! "



"Sou a Baianinha doida (sorri). Posso vê minha foto? Nossa! Como tô bonita, sô! Sou uma modelo mesmo! (risos). Muito obrigada, moços! Bom trabalho procês!"

Taí um Centro que eu não conhecia e que muito me agradou. Não ter medo de parar, conversar, sorrir...remédio perfeito para curar a angústia de se ver em meio à tantas pessoas e, no entanto, sentir-se num deserto interior.
Carla Pedrosa
















quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O tolhimento econômico e o colapso estético - por Bráulio Siffert

Devo começar meu relato sobre à saída de campo ao centro de Belo Horizonte contrapondo-me a Yves Wikin, que diz que devemos escolher locais confortáveis, simples e não perigosos para se fazer um trabalho de campo. Ora, me parece muito mais cômodo e de fato menos desafiador tratar das impressões sobre lugares confortavelmente belos, seguros e limpos. Muito significativamente mais audacioso é observar, em locais pútridos, o que tenha sido devastado pela pestilência, ou, então, o que se conserva de belo. Já que a etnografia se tornou uma “arte de ver, arte de ser, arte de escrever”, senti-me desafiado a ver, sentir e escrever sobre a própria arte (ou a falta dela, ou sua degradação) num dos trechos dos mais sórdidos e repugnantes do grande centro de Belo Horizonte.
Sem mais rodeios, a conclusão na qual cheguei (que não me surpreendeu, e a ninguém surpreenderá) foi a de que o tolhimento econômico é o grande responsável pela degradação estética na área que visitamos. Antes de tratar dos fatos que me fizeram chegar a esse óbvio diagnóstico, peço desculpas por me sentir no direito de discorrer, algo ligeiramente, do que consideraria arte, e do que consideraria uma arte degradada. Quero considerar a arte como auto-conscientização e auto-exteriorização do homem, realizada através de um refinado e dinâmico esforço efetivado não só na manifestação exteriorizada de fato, mas também no estudo e compreensão de uma infinidade de outras expressões artísticas que estejam ao alcance temporal (se houver um grande detrimento material, acho realmente difícil que se produza arte). O que, enfim, julga a arte é mesmo o tempo: estou certo de que daqui há quarenta anos ninguém mais saberá quem foi Paulo Coelho. Reconheço a facilidade de interpretarem minhas opiniões sobre estética como elitista, e eu não me esforçaria para desmentir (não cabe aqui diferir sistematicamente arte de estética). Infelizmente, a regra é que o tolhimento econômico dificulta ou degrada manifestações artísticas esteticamente valiosas.
Para além disso tudo, devo ressaltar que não irei tratar dessa arte algo específica, delimitada. As impressões estéticas que se tem ao observar uma cidade são deveras distintas das impressões retiradas da leitura de um livro ou observação de uma pintura. A credibilidade da estética urbana é significativamente mais corroborada pelo esteticismo mesmo, pelo vislumbre, do que propriamente pela funcionalidade. Muito embora eu saiba que seja uma dicotomia indissociável (tão óbvio pensar que não há um sem o outro; não há, dizendo de forma rasteira, forma sem conteúdo nem vice-versa), bem me parece que um lado ou outro é mais ou menos importante dependendo da manifestação artística. Assim pretendo, com esse relato, exemplificado por elementos percebidos na saída de campo, perpassar pelas seguintes perguntas: O que seria a estética de uma cidade? E o que a degrada?
Vamos partir do princípio que a estética de uma cidade é aquilo que ela nos mostra quanto à sua imediaticidade visual, ou seja, o que nos vem aos olhos (mais à eles do que à outro sentido, que, obviamente, também têm suas impressões estéticas. Não cabe aqui discutir se o bom gosto de uma comida ou o cheiro agradável de uma flor são “efeitos de criação artística” tal como a observância primeira de um grande e antigo prédio. Para facilitar irei tratar aqui apenas das impressões visuais, com apenas um destaque para o odor pútrido de excrementos, presente em boa parte do caminho percorrido).
Pois bem, logo no começo da caminhada pela Avenida Afonso Pena algo me estorva: obras sendo feitas na calçada são isoladas por uma espécie de cordão que ocupa grande parte da rua. Não bastasse o incômodo da limitação do espaço para o tráfego humano, há um visual desagradável em virtude da poeira, do próprio cordão alaranjado, das pedras dispersas, da areia que se espalhou para além do espaço delimitado e de um banheiro químico com a notável discriminação feita por um adesivo com a letra “M” (já era mesmo óbvio de se esperar: só homens trabalhavam naquela obra; e, ainda além: aquele banheiro não era público). Porém, perdôo o ridículo: não podemos julgar algo que está em fase de construção, devemos esperar por sua conclusão (desde que, dada as incomodidades causadas, seja alcançada em tempo mais breve possível).
Na esquina da Afonso Pena com Tupinambás observei algo que me atormentou por outras diversas vezes durante todo o trajeto, e cuja funcionalidade e utilidade estética ainda não me foram reveladas (e desde sempre me intriga). Trata-se da pichação. Como de praxe, nem uma das várias que percebi pelo caminho soube me dizer algo. É de se esperar que o pichador não queira mesmo passar nada para os “leigos”, mas talvez para os comparsas, para as gangues inimigas ou para si mesmo. Assim, me seria forçado dizer que aquilo é arte. Ao contrário, creio que é um dos grandes responsáveis pela degradação estética dos locais observados. Já aqui um esboço de minha conclusão: a falta de estudos, de respeito pelo espaço público e de oportunidades e espaços para manifestar e exteriorizar os conflitos ou as vontades, além da já assimilada tradição de pichações nas grandes cidades, são as causas mais diretas desse tipo de intervenção. Com efeito, julgo poder afirmar que é mesmo o tolhimento econômico a causa infra-estrutural de todas essas conseqüentes causas (perdão pelo estranho termo).
Nem me satisfaria tratar dos santinhos e panfletos de propaganda política espalhados pelo chão ao longo do trajeto, nem dos cartazes de mesma natureza pregados em fachadas de prédios, postes, janelas e paredes. Primeiro que a degradação estética causada é muito óbvia e, por essência, abaixo da crítica. Depois: do ponto de vista cotidiano são intervenções efêmeras (o que se faz presente apenas de dois em dois anos não pode se caracterizar como determinante na estética de uma cidade). Em se tratando de panfletos, cartazes, manifestos e propagandas, o que caracteriza (e envilece) o caminho percorrido são aquelas que oferecem serviços como viagens, interpretação de cartas e toda sorte de produtos. É uma reutilização do espaço urbano (que é público, portanto visível por grande número de pessoas) com fins, veja só, econômicos.
A partir da Rua Curitiba, mais especificamente do prédio amarelo na esquina com Tupinambás, passei a reparar algo que também não mais deixou de estar presente pelo caminho: edifícios pintados com cores esdrúxulas (assim considero desde que tomados no contexto em que se situam; talvez isolados ou encaixados de modo visualmente estudado, poderiam ser notáveis criações artísticas). O amarelo foi o predominante (bem veja, o “esdrúxulo” amarelo pode se prezar para a arte, tal como o fez Van Gogh), mas também houve “gritos” de verde, vermelho, azul e rosa. A maioria deles foi assim pintada, penso eu, para chamar atenção para as atribuições (ou mesmo apenas para a existência) das lojas que neles se encerram. Mais uma vez perpasso pela idéia levantada: a necessidade econômica (poderíamos incluir a ambição, pois alguns desses prédios pertencem a grandes empresas como Ricardo Eletro e Ponto Frio) influi diretamente na estética (dessa vez também negativamente). Não obstante, alguns antigos prédios coloridos (com as mesmas cores chamativas, mas dispostas de modo bem mais suave) não assim o foram com vislumbres econômicos: diziam do modo arquitetônico elaborado da época. No caminho me surpreendi com a quantidade dessas belas edificações, mas, ao mesmo tempo, me entristeci por concluir que a maioria delas estava degradada (por má conservação, por pichações, por falta de revitalizações, por uso indevido, ou seja e enfim, por tolhimento econômico).
Abaixo do viaduto da Lagoinha, em frente ao bonito Centro dos Choufferes, há uma simples demonstração de que podem existir intervenções artísticas mesmo nos locais mais pútridos: uma das pilastras de sustentação do viaduto é toda pintada em um azul forte e conservado, enquanto uma “linha” feita de pequenos azulejos pretos e brancos vem desde a pilastra oposta, passa pelo chão e sobe, contornando, a pilastra. Agora o contexto dá, ao contrário da situação dos prédios com cores extravagantes, a beleza à manifestação. Já os grafites pintados ao longo de toda extensão do prédio que comporta o Shopping Xavantes ganham um efeito melancolicamente inverso: são belas, inteligentes e interessantes pinturas, mas o entorno sujo, colorido e degradado faz com que o prédio em questão carregue um pouco disso, e as pinturas também passam a nos incomodar. Se num outro contexto, seja lá em contraste com uma ampla rua só com edificações de cor clara e única, os grafites diriam muito mais esteticamente (essa ressalva do Shopping Xavantes devo ao colega Afonso).
Ao longo da Rua Guaicurus e da Rua Rio de Janeiro, repetições: prédios originalmente bonitos, mas que foram aos poucos degradados. Um ou outro parece ter sido revitalizado a pouco tempo. Novamente: o interesse econômico (e, por extensão, político) por aquela área específica é baixo. Não há mais turismo, o comércio costuma envolver pessoas das classes baixas, a preocupação maior é com a funcionalidade prática imediata.

Por fim, devo dizer que, naturalmente, meu recorte estético resumiu-se a poucas manifestações que dizem desse respeito. A propósito, as impressões sobre o belo e sobre sua degradação são infinitas, pode estar (e estão) em cada pedra, em cada pessoa, em cada objeto. Apesar de saber que observando os sujeitos também chegaria à conclusões relacionadas ao tolhimento econômico, abstive-me em tratar deles, pois pouco interpretaria nos termos do que optei por ser meu direcionamento, ou seja, a estética. Não vejo que se faz necessário eu apresentar uma conclusão das minhas observações: ela já se anuncia no título e é substanciada por exemplificações. Só um adendo: em momento algum quero dizer que em locais onde não haja obstáculos primordialmente econômicos e então tudo se mostra muito mais limpo e confortável, como em um bairro da Zona Sul, as impressões estéticas sejam muito agradáveis, ou a criação artística esteja muito mais presente e visível. Ao que me consta (mas para confirmar essa projeção precisaria de uma saída de campo à esses locais, tal como indica Wikin) os bairros considerados ricos de Belo Horizonte não muito acrescentam em termos artísticos, mas por não serem interpenetrados direta e efetivamente por dificuldades econômicas, não apresentam degradações tão repugnantes quanto às observadas no trajeto percorrido, e, então, não representam o que esse sim representa: o colapso estético.

Bráulio Siffert

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Descompassos

Se o centro é o meio de qualquer corpo, temos então uma figura de duas partes. Entre elas, um ponto que, enquanto interface, divide um lado de seu oposto. O movimento de manipular os contornos, no entanto, desloca constantemente esse lugar. Até porque o espaço não tem limites, nem interrupção. Mas a porção compreendida entre um e o outro, e que pertence a esses dois, está sempre nessa mutante construção. O centro é, pois, uma representação indissociável do todo. E sua intensidade está justamente no fato inevitável da tangência.

Logo na partida, um jovem trajando o vermelho da sua ideologia poetisa palavras engajadas e conclama a resistência, usando como meio para portar a voz (se não símbolo) um megafone. Atravessando o ruído (tão polifônico em período de candidatura), uma mulher, que tinha idade para ser sua mãe, pergunta ao vento quem é que iria escutá-lo? O menino militante, protegido no seu próprio discurso, também não ouviu tal indagação. Acho que nenhum dos dois esperava resposta. Restou o eco.

Algumas esquinas à frente, um homem, de andar apressado e olhar desnorteado, carrega nos braços painéis de papelão com estampa eleitoral. Poderia ter passado desapercebido, não fosse a enunciação de sua caminhada como auto-condenação. Incorporando os trejeitos de um foragido, os pôsteres, que ele deve ter sacado de algum muro, se tornaram as provas do crime. Não do que ele imagina ser o seu... Afinal, saqueada fora a sua própria liberdade. As paredes do centro da cidade tornaram-se reflexo do nosso caos político, da apropriação desmedida do espaço comum e do desperdício do dinheiro público. Ao coitado, transformado em bandido, renderiam gorjetas. A cena, ironicamente, transcorria logo na avenida que se propõe a ligar a zona urbana de norte a sul: realidades tão distintas. Era Afonso Pena, nome de governante.

De um lado, o som desafinado das buzinas, sinal da (dês)ordem de atenção. Do outro, a batida bem marcada do funk, e toda a sua contravenção. Letras de apologia, protesto e deboche, saídas da favela, confundidas com a ofensa sem xingamento do volante, analgésico da tensão. No intervalo, eis o viaduto e seu barulho de compressão... imagem acústica do nosso tempo e espaço.

Próximos à rodoviária, três idosos proseiam, pitando um cigarro de palha. As cadeiras de balanço ganham forma redonda, e cada um deles parece em sua terceiridade dar conta da lei que rege o movimento do mundo. Histórias serenas, dignas de enredo interiorano, logo na porção mais transitória da cidade. Na contramão, espio uma moça com seus trinta e poucos anos, marcha ligeira, levando pelo corpo três malas. Talvez, carregasse naquele instante sua vida nos ombros. Assim, pelo menos, marcava seu semblante. Personagem desse lugar de partidas.... E ela passou, com toda a sua efemeridade.

Estirado no sofá, feito de papel retalhado, o calção surrado, uma garrafa (de água) ao lado, o cão que abana o rabo e o ar resignado. A rua transformada em lar aconchega o sujeito com suas sobras. De relance, poderia ser um pai de família qualquer, num dia preguiçoso, vendo paisagens corriqueiras na tv sem controle. Mas nesse casulo forjado é antes a invisibilidade que autoriza a privacidade. Ainda na Guaicurus, um forte odor de urina parece marcar o território masculino, herdado dos tempos de boemia. Quase que por instinto, um bando deles – feito guaikurus, para lembrar os hábeis guerreiros indígenas - compõe uma espécie de barreira humana e constrangem com astúcia o inimigo que queira se aproximar. A rua da “imoralidade”, com seus prostíbulos escondidos e insinuosos casarões, é o endereço da comercialização da intimidade. Vestígios de quem faz do centro sua estada.

Numa típica via de tráfego, resultado do cruzamento de três tumultuadas ruas, um rapaz se coloca ao meio, sentado no toco do canteiro, tendo a mochila como companheira. Às mãos, folhas de jogo da Sena, sob as quais ele constrói rabiscos, tomando do horizonte algum objeto de inspiração, mesmo que nada que estivesse à sua frente parecesse merecer minha atenção. Se eram planos traçados, apenas suspeito, mas digo que as armadilhas que aquele lugar reservava só podiam fazer do seu ritual um desafio à própria sorte. Seguindo o “destino”, bilhete premiado parecem ter encontrado os aposentados que, nas pílulas bicolores dos tabuleiros, previnem a demência e a solidão, já que outra fortuna o acaso não tem. Praça Sete. Marco zero dos sonhos e vazios.

De tantos paradoxos, resume a “fachada”, entre São Paulo e Oiapoque: “Avisa pra Madona... que o Brasil não tem censura!”, de Mv Bill, álbum Declarando Guerra, e co-autoria de quem mais desse trecho tenha se reapropirado.

Se minha intenção era a de captar os dois arcos do centro, conto que me rendi aos fragmentos. A ambigüidade é uma questão de leitura, e só é possível onde há a pluralidade. E de toda a mistura que compõe o centro da cidade, não tive como desviar da contradição. Desfiz os pares, porque os sentidos são diversos e a fronteira entre as partes é “passageira”. E diante de tantos descompassos, algo pareceu se harmonizar... Acho que fui arrebatada por aquelas figuras anônimas.

Carol Melo

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Relações comerciais no hipercentro de BH - por Afonso Brazolino

A saída de campo, ocorrida no último dia 2 de outubro, proporcionou-me olhar para as relações comerciais do centro urbano de uma forma mais crua.

Nos últimos anos, dentre outras mudanças ocorridas no hipercentro de Belo Horizonte, uma delas foi a padronização das placas contendo os nomes das lojas. Se por um lado isso contribui para a estética dos nossos grandes centros, por outro, falando comercialmente, pode culminar em perda de clientela.

Quando fala-se em comércio de centros, deve-se ter em mente que qualquer diferencial pode ser sinônimo de sucesso, tamanha é a concorrência nesse espaço. Há alguns anos, o centro de Belo Horizonte era tomado por vendedores ambulantes (camelôs), que dominavam as calçadas de ruas e avenidas. Hoje, apesar de não se encontrar camelôs como antigamente – ainda que possa se esbarrar com alguns vendedores ambulantes vez ou outra – e talvez por conta da padronização das placas, muitos comerciantes do hipercentro de Belo Horizonte fazem uso de práticas tipicamente relacionadas a camelôs e vendedores ambulantes.

Em frente às lojas é possível ouvir funcionários anunciando produtos através de microfones e sons mecânicos. Outros anunciam nas esquinas, muitas vezes a alguns metros das lojas onde trabalham. Muitos, não contentes em apenas anunciar, abordam os transeuntes (como o caso de algumas mulheres que serviam como intermediárias, oferecendo o serviço de dentista).

Os anúncios tradicionais, impressos, também sofrem uma reterritorialização, deixando de ocupar os locais tradicionais e indo parar nas calçadas, em forma de placas, banners que cobrem a entrada das lojas, ofertas anunciadas nos ferros das entradas, em pessoas, e quadros que literalmente ocupam o local dos pedestres.

Por sua vez, os produtos ali, também não se contentam em ficar apenas dentro das lojas, no espaço comumente reservado a eles. Foi possível ver manequins não em vitrines, mas nas calçadas. A invasão era tanta que sentia-se facilmente o cheiro de algumas mercadorias (carnes, pastéis, tabaco).

Durante essa experiência, enriquecedora a partir do momento que se enxerga de fato como ocorrem as relações comerciais na prática (ao menos no hipercentro), foi possível notar que os comércios do centro de Belo Horizonte literalmente invadem os espaços urbanos e “entram” nas pessoas – tendo sido convidados ou não.

Se um dos objetivos da Prefeitura, quando da decisão de padronizar o comércio do hipercentro, era acabar com a poluição visual típica dos vendedores ambulantes e camelôs de outrora, ela acabou apenas forçando outros comerciantes (esses sim, regularizados) a adotarem táticas de tais vendedores marginalizados, em um processo de reterritorialização, ainda que praticado inconscientemente.