Comecei minha deriva cartográfica com uma câmera fotográfica na mão e sem uma idéia pré-concebida do recorte para o qual eu iria direcionar meu olhar naquela profusão de imagens, sons, cheiros, pessoas, objetos e sensações concentradas no espaço do centro de Belo Horizonte.
Durante a caminhada, minha escolha foi se esclarecendo. Muito contribuiu para que eu pudesse entender toda a minha percepção daquele dia, uma discussão tida em sala de aula a respeito de experiência estética, arte urbana e a idéia do que é o belo e a leitura do texto “Fotógrafos viajantes, mediação e experiência”, de Daniela Palma.
De início, meu olhar foi direto para os grafittis (o que eu já imaginava que iria acontecer, pois é algo que adoro). Contudo, apesar da beleza que esse tipo de arte carrega e do prazer estético que me proporciona, não achei suficiente direcionar minha visão apenas para algo que já estava ali, pronto e facilmente reconhecível. Foi então que comecei a fotografar tudo que achava belo, me instigava, provocava interesse ou de certa forma me proporcionava uma experiência estética agradável.
Percebi que com a câmera eu poderia lançar um novo olhar sobre a realidade e produzir novas realidades, criar mundos. Fragmentos harmônicos ou inquietantes de um todo multifacetado. Através de um enquadramento, um recorte que se opera no tempo e no espaço, por meio da foto, se tornava possível reconstruir e resignificar aquele espaço, revivê-lo.
Quando vi as fotos, achei que o material estava bastante diverso e abrangente. Pensei que seria difícil transmitir a idéia do que me fez olhar para tudo aquilo e alcançar uma unidade. Nesse sentido, a discussão em sala de aula me ajudou a enxergar o quanto são tênues e discutíveis os limites entre o que é institucionalmente considerado como arte, o que se configura como arte para uns e para outros, a idéia do que é belo e as experiências estéticas possíveis diante de determinados objetos.
Não acredito ser possível estabelecer uma correlação necessária entre pobreza e sujeira com degradação e feiúra. Quanto mais adentrávamos o centro, o que mais me extasiava era exatamente essa mistura de cores, o deslocamento das coisas de seu “lugar” de origem ou costume, o contraste entre o que está em movimento e o estático, entre o limpo e o que foi degradado, o novo e o antigo.
Em uma foto podemos enxergar a simultaneidade e interação de tempos diversos num mesmo espaço, através dos vestígios do passado que contrastam com o moderno ali presente. Isso é visível, por exemplo, num lugar em que coexistem carros estacionados na frente de uma casa de arquitetura antiga marcada pelo tempo e pelo homem, com pichações e publicidades de candidatos à eleição desse ano.
Também me despertam interesse as linhas imaginárias produzidas pelo posicionamento de placas dos mais diversos tipos e aquelas linhas que existem de verdade, como as da fachada de um prédio abandonado, com a marca da pichação. Ao aproximar a lente da câmera desse prédio, o peso das diagonais azuis cortando as diagonais brancas fica tão forte que aquilo se assemelha a um quadro. De muitas formas, é possível jogar com essa infinidade de imagens que constituem o que, muitas vezes, chamamos de poluição visual, e sair do repertório universal a qual estamos acostumados e dos vícios de um cotidiano maçante para encontrar e vivenciar coisas novas e curiosas.
Nesse sentido, eu acredito ser possível experimentar o mundo através do visor de uma máquina. Susan Sontag diz que o ato de fotografar constitui um acontecimento, pois interfere em nosso sentido de localização. Nos faz perceber o tempo como uma sucessão de fatos, dos quais selecionamos os que nos parecem valer a pena registrar. Então quem fotografa não é um mero espectador, é alguém que constrói um olhar através da mediação tecnológica. “Fotografar é participar”.
Enquanto fotografava, ao mesmo tempo que o visor se constituía em uma barreira física e me distanciava do espaço, eu alcançava uma aproximação da realidade percebida, conseguindo transpor em outros campos essa distância física.
Seguem aí algumas fotos que reproduzem o meu olhar sobre essa realidade. Talvez para mim elas signifiquem algo e assumam significados diferentes para quem as ver. Podem também não passar idéia alguma... Mas compartilho um pouco do que apreendi na minha deriva.
Texto e fotos: Paula Santos Silva
Um comentário:
Mais uma vez é comprovado que a fotografia registra aquilo que os olhos muitas vezes não podem ver. E se isso acontece nas ampliações, ou no congelamento do instante, vemos também essa função nessas imagens, as quais mostram o quanto somos desatentos ao que ocorre a nossa volta, justamente pela grande carga de informações que nos chegam a todo momento. As fotos, portanto, mostram-se como ótimos recursos para treinarmos esse novo olhar sobre o centro, enxergando-o como um espaço não só de caos, mas também de beleza e peculiaridades.
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