terça-feira, 28 de outubro de 2008

RELATO DA DERIVA NO CENTRO – Isadora T. Vilela

Quanta contradição! A minha última postagem, que antecedeu nossa atividade de deriva no centro da cidade, tematizava a importância de levar à campo um “problema de pesquisa”, algo que pudesse orientar nossos sentidos na busca de algum tipo de informação delineada por um interesse pré-estabelecido. Só posso dizer que, no parâmetro metodologia, minha experiência na deriva foi um fracasso!

Eu carreguei comigo, além do caderninho de campo, câmera fotográfica e gravador. Não consegui usar nenhum deles com precisão e constância. Sentindo-me realmente à deriva, em cada momento quis observar alguma coisa diferente. Primeiro, foram as infrações de trânsito - que eu tentei capturar com a máquina, mas a pilha tratou logo de acabar nos 15 minutos iniciais. Depois tentei acompanhar o estado das calçadas, pensando em relacioná-lo às localizações no centro e seu lugar na “hierarquia da luminosidade” da cidade. Já sem a câmera tentei representar com desenhos e algumas anotações, características das pessoas que eu via enquanto caminhava: posição em que seguravam as bolsas e mochilas, por exemplo. Depois tentei continuar o registro sonoro que uma colega havia começado, mas ela tinha, já na Rua Rio de Janeiro, sua fita cheia. Todas as tentativas duraram menos tempo do que deviam – inclusive para que a informação captada pudesse ser posteriormente sistematizada – e os registros ficaram muito pouco inteligíveis (dos desenhos, nem se fale!).

Re-avaliando a relação “objeto-tempo de observação” na minha experiência de deriva, posso dizer, com segurança, que o que mais observei, no final das contas, foi nosso próprio grupo. Isso porque caminhei a maior parte do tempo na ponta de trás do grupo onde estavam nossos fotógrafos, e quando percebi, eu já tinha me incumbido da tarefa de não deixar ninguém para trás e tentar evitar que alguma câmera fotográfica ficasse também para trás nas mãos de um não-dono.

Bom, algumas reflexões surgiram depois da deriva, quando comecei a pensar nas relações que se estabeleciam ali, naquelas ruas do centro da cidade, quando alguns meninos do nosso grupo direcionavam suas câmeras fotográficas para determinados lugares.

Uma primeira reflexão diz respeito ao próprio ato de fotografar: quando tiramos as máquinas das bolsas – e isso significa que desejamos, a partir desse momento, não ouvir, não escutar, mas VER e fotografar determinadas coisas – podemos dizer que nos apropriamos de formas de ver que são diferentes do que fazemos normalmente? O que eu quero propor, é que, de certa maneira, quando nos posicionamos como fotógrafos, estabelecemos uma outra relação com o mundo, relação essa intermediada pelo olhar mais do que por qualquer outro sentido, e que, principalmente, difere da relação do transeunte que vê o mundo, por exemplo. Acredito que meus colegas com as máquinas fotográficas nas mãos observaram coisas diferentes dos que usaram gravadores de som, e diferentes do que eles mesmos observam quando estão despidos do “papel de fotógrafo”, e essa diferença é resultado, não só das características subjetivas de cada um deles, mas do intermédio que a câmera oferece entre eles e o mundo.

Uma segunda reflexão, refere-se ao valor da foto enquanto registro da realidade: comparando o que cada um dos meus colegas escolheu fotografar (a partir do que pude observar durante a deriva) quando situados nos mesmos espaços e defrontados pelas mesmas situações, me pergunto se nossas fotografias revelam o que na realidade existe ou o que cada um percebe da realidade? Isso é, as fotos nos mostram as coisas como elas são ou nos mostram a nós mesmos? Essa é uma discussão complicada e eu não me arriscaria a adentrá-la, mas acho que seria um exercício interessante comparar as fotografias (produzidas ou tiradas?) da nossa deriva.

Por último, apenas aponto alguns aspectos interessantes das relações “fotógrafo-fotografado” que se estabeleceram durante o percurso da deriva: algumas fotografias (principalmente no começo da caminhada) foram feitas sem que se pedisse autorização das pessoas fotografadas, o que gerou algum desconforto por parte dessas pessoas (que felizmente reagiram só com caretas) e demandaram a “bem-vinda” intervenção da Milene, que se prontificou a esclarecer o que fazíamos ali. Depois os fotógrafos do nosso grupo começaram a pedir permissão para fotografar as pessoas, e, a partir de então, pudemos ver as mais diversas e engraçadas reações: alguns negaram (seria receio pelos possíveis usos que poderíamos fazer das imagens – reconhecendo seu aspecto de registro da realidade?); alguns relutaram (argumentando estarem feios, por exemplo) mas aceitaram; alguns não só consentiram o click, mas, fizeram poses e mais poses estáticas, acredito que já se imaginado no retângulo da fotografia...

O que percebi, independente de que se percebesse ali o papel de ver como um fotógrafo, ou da intenção de criar ou reproduzir alguma coisa, os fotógrafos do nosso grupo se divertiram muito, interagindo com as pessoas e os lugares de forma como, eu acredito, nunca fizeram antes e se relacionado de outras maneiras com o Centro de Belo Horizonte.

Um comentário:

Unknown disse...

Isadora,

Super bacana sua reflexão sobre a fotografia e a realidade percebida através desse "novo olhar"... Tem muita relação com o que eu tentei falar sobre minhas fotos.. Acredito que o intermédio da câmera muda totalmente a relação que temos com o mundo que está ali na nossa frente. O recorte que cada um dá para aquele espaço é totalmente subjetivo e é muito interessante ver como são diferentes as possibilidades de enxergar uma mesma realidade.