quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Os “toureiros”

Quando iniciamos nossa deriva no centro da cidade, meu plano era registrar as formas de comunicação (anúncios de políticos, cursos de inglês, búzios, “traz a pessoa amada”, entre muitos outros) que são afixados nos postes de Belo horizonte. Essa era a idéia a priori.
No entanto, logo no início da caminhada, na esquina da rua Afonso Pena com a Tupinambás, me chamou a atenção um cego que vendia agulhas. A poucos metros dele, uma moça anunciava topar qualquer tipo de negócio envolvendo celular: “Celular...compra, vende, troca, desbloqueia.”Outro detalhe interessante: o botão de acionamento do sinal de pedestres era utilizado por ela como local de exposição da sua mercadoria. No cruzamento da rua Tupinambás com Curitiba, duas mulheres ofereciam os serviços de um dentista. A partir disso, comecei a me interessar por essas pessoas que faziam da rua o seu local de trabalho, e que, fui informado na aula seguinte, são chamadas de “toureiros”. Durante a deriva, portanto, meu olhar se fixou nas relações dos toureiros com o centro da cidade.
A princípio, o que me surpreendeu nos toureiros foi a diversidade dos produtos oferecidos por eles. Já me eram familiares os negociantes de celulares, de ouro e as vendedoras de fotos 3x4 que trabalham na praça sete. Contudo, ao longo da caminhada, fui percebendo que o leque de mercadorias e serviços era muito mais amplo: agulhas, descascadores de legumes, balas, vale-transporte, capas para celular, vassouras, bijuterias, meias, conserto de relógio, de guarda-chuva, salão de beleza, dentista, entre muitos outros.
Outro aspecto que me chamou a atenção foi o modo como os produtos nos eram oferecidos pelos toureiros. Alguns expunham suas mercadorias em pequenos caixotes de madeira, em um balcão improvisado ou num pano estendido no chão. Outros sequer utilizavam tais acessórios, mantendo seus produtos na mão mesmo ou pendurando-os no corpo (como era o caso dos vendedores de colares). Naquele momento, essa prática me deixara curioso. Até que, durante a aula, fui lembrado de que a prefeitura proibira, há alguns anos, o comércio ambulante nas ruas. Tudo então passou a fazer sentido. Obviamente, os toureiros agem assim para que, a qualquer sinal de fiscalização, possam fazer uma retirada rápida do local. Trata-se de uma situação em que as táticas procuram escapar à estratégia, conforme diria Certeau. Proibidos de montar suas barracas nas ruas, os toureiros desenvolveram uma nova maneira de continuar trabalhando.
Mas graças às discussões feitas em sala na semana seguinte, outra questão me veio à cabeça: mais do que perceber as reapropriações do centro da cidade (não previstas pela estratégia) feitas pelos toureiros, o trabalho dessas pessoas é também um exemplo do potencial criativo dos indivíduos que se encontram em “condição de escassez”, como diria Milton Santos. Isto é, a diversidade – não só dos produtos, mas dos modos como eles nos eram oferecidos – que tanto me surpreendera durante a deriva, mostra como o “tolhimento econômico”(termo criado por Bráulio Siffert) suscita, mesmo que por absoluta necessidade de sobrevivência, a criatividade. E é justamente essa capacidade (necessidade) de criatividade que possibilita que os toureiros continuem driblando a estratégia, ressignificando e reapropriando os espaços do centro a seu favor.
Danilo Borges

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