
Durante a apresentação do seminário sobre “Corpografias urbanas” da Paola Berenstein, fiquei tecendo mentalmente uma série de relações entre esse texto e o livro “Performance, recepção, leitura” de um medievalista e escritor suíço chamado Paul Zumthor. Isso porque o conceito de performance aplicado por ele e a posição privilegiada que o corpo possui em sua obra se aproximam bastante da idéia aplicada por Berenstein sobre o que seria corpografia.
Para Paola, “uma corpografia urbana é um tipo de cartografia realizada pelo e no corpo, ou seja, a memória urbana inscrita no corpo, o registro de sua experiência da cidade, uma espécie de grafia urbana, da própria cidade vivida, que fica inscrita mas também configura o corpo de quem a experimenta”. De maneira similar, Zumthor diz que a performance é um ato de presença no mundo e do mundo. É o momento em que transmissão e recepção se fundem numa ação única de co-presença. A performance é a concretização da recepção. É um estado de catarse, no qual é possível compreender-se naquilo que se compreende. “A performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é simplesmente um meio de comunicação: comunicando, ela o marca”.
É interessante pensar como o “corpo” é visto de maneira tão cara e tão próxima para esses dois autores. Para Zumthor, é imprescindível pensar o papel do corpo na leitura e na percepção literária. O corpo é aquilo que nos é próprio e é nele que sentimos e vivenciamos todo o peso oriundo da experiência. De maneira idêntica, Berenstein postula sobre a inscrição da cidade nos corpos dos sujeitos. Para Paul e Paola, um texto ou a cidade, respectivamente, são ou devem ser mais percebidos e vivenciados do que “lidos”. Daí a importância da “errância” para que a cidade ou uma obra (para Zumthor, “obra” é aquilo que é poético, o que gera mais prazer do que informação) seja experimentada e praticada.
Zumthor não cita o termo, mas em seu livro há uma passagem em que o autor é protagonista de uma “errância”, o que o aproxima ainda mais do que foi proposto por Paola. Nesse trecho, Zumthor rememora sua infância quando as ruas de Paris eram povoadas de cantores de rua pelos quais, o então menino, se sentia extremamente atraído. “Um espetáculo que me prendia, apesar da hora de meu trem que avançava. Havia um homem, o camelô, sua parlapatice, porque ele vendia as canções, apregoava e passava o chapéu. Havia o grupo, o riso das meninas. Mais ou menos tudo isto fazia parte da canção. Era a canção”. Ora, a “canção” de Zumthor era um microcosmo urbano, no qual a cidade se inscreveu e configurou o corpo do autor, que a experimentou perfomaticamente.
Mas, como pensar a possibilidade da errância hoje com um urbanismo cosmético, no qual o fluxo constante possui posição privilegiada em detrimento à lentidão e à corporeidade? Nesse sentido, não seria imprudente dizer que o processo de espetacularização das cidades contemporâneas diminui o caráter performático e empobrece a relação que ela estabelece com os sujeitos. Desse modo, é necessário que pensemos urgentemente em novas formas de urbanismo para que a cidade e os sujeitos se co-habitem e se transformem.
Phellipy Jácome
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