terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Praça é nossa

Em meio aquela muvuca da Praça Sete, velhinhos jogavam dama. Era um contraste tão grande que a gente ficava na dúvida se eles estavam realmente se movendo. Um pastor gritava e gesticulava loucamente, mal dando tempo para os toureiros que estavam atrás de mim. Fiquei impressionada com a quantidade de pessoas machucadas e mais impressionada ainda com a minha aptidão, devido a minha condição de “muletante”, de perceber essas pessoas. Um mundo de sacolas plásticas! Acho que de dez que passavam, sete carregavam alguma sacolinha. Milhares de santinhos e jingles políticos se sobrepunham e o pastor continuava gritando. Alguns riam, vários paravam e um monte de gente fazia cara feia. Em uma hora na Praça, metade de BH sentou do meu lado. Puxavam papo, conversavam, liam (a sua leitura e a dos outros!), cochilavam e esperavam. Perguntavam sobre a minha roupa ( uma dona cismou que a minha calça estava ao contrário), sobre o meu pé engessado.
Mulheres bem vestidas, homens de terno, cabeludos, estudantes, bicicletas Ceci ao lado de mountainbikes, garis, funcionários de algum frigorífico. Quem eram essas pessoas? Fiquei pensando que quem passa por ali deve ter pressa, ou não, ter pouco dinheiro,ou não, trabalhar em algum escritório chique (onde, meu Deus?), ou não, não ter nada pra fazer, ou não. Um papai Noel passou por mim e por um momento pensei que o cara ao lado fosse um traficante ou um viciado. Ele era mais velho e bem maltrapilho. Conversavam um papo estranho sobre alguma coisa em alguma casa que a policia estava atrás. Um grandão chegou dando tapa e algum tempo depois, Lelé, como ele se chamava , voltou mancando e com a cabeça ferida. “Quer guardar esse pedacinho de cordinha, não? Tem utilidade.” – ele perguntou para a moça ao lado. E eu fiquei com muita dó.
Um dos velhinhos da Praça, daqueles que já fazem parte do cenário, chegou de mansinho e já foi perguntando o que eu tinha arranjado no pé. Seu Etienne tem 85 anos, é viúvo e mora com a filha e os netos. Foi da Marinha e jura que os navais (nossos fuzileiros) atravessam com os dentes uma corda entre dois prédios. Ele acha que Europa tem cultura mas não produz alimento suficiente, que a América do Norte é grande mas também não produz alimento suficiente. Acredita que em São Paulo só existe mulher ordinária e cabra safado. Não gosta de comida mineira, caiu no banheiro há pouco tempo – nada grave – e viajou para Bahia só para tirar segunda via da carteira de identidade. Porque Barboza se escreve com “Z” e o escrivão daqui era burro. Seu Etienne Barboza vai a Praça para encontrar os conterrâneos da Bahia.
Acho que no final, o que me impressionou foi como uma praça pode ao mesmo tempo ser tantas. Cada um escolhe e faz a sua Praça. A Praça do seu Etienne é um lugar de encontro, a Praça do pastor é lugar de pregação, a Praça do toureiro é lugar de trabalho, a Praça da Adriana é lugar de pesquisa....


postado por Adriana Costa

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