sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O som do centro

Deriva Cartográfica

Eu sempre achei engraçado como postura de pesquisador nos dá tanta coragem....como por exemplo sair a campo em pleno centro de belo Horizonte com câmaras fotográficas e gravadores digitais expostos, como se fôssemos protegidos pela aura do caderno de campo...

Assim, nessa deriva cartográfica eu percebi como agente anda sem medo, e por isso mais cautelosos e atenciosos quando estamos com essa intenção de observar o centro como objeto de estudo. A minha primeira impressão, querendo anotar tudo o que me estimulava, foi que eu iria pirar (ou pelo menos tropeçar), se eu continuasse daquele modo...os cheiros, os sons, os grafites, as construções, as obras e as pessoas. Nesse momento pensei o quanto era bom ser blazé, e por este fato é que provavelmente eu estava viva até hoje....

Meu segundo movimento foi me deixar levar então pelo que mais me impressionava, embora fosse difícil conseguir minha atenção em meio á guerra de estímulos oferecida...mas nessa batalha o som me ganhou. A cada rua e beco o registro sonoro marcava uma vida diferente vinda de cada lugar, marcada pelos seus ritmos, anúncios, barulhos, conversas, etc.

Música dance na loja de sapatos popular e um homem passa com seu barulhento carinho vendendo suco em garrafas pet. Na loja Itapuã o anúncio ao vivo é de promoçõ e as buzinas falam alto no trânsito. Enquanto as lojas Rede vendem alisador de cabelo o funk vai comendo solto na Ponta 10....não....agora a música variou para o Axé. "Celulaaaaaaaaaaaaar....compra vende e desbloqueia"....e atravessando o sinal no vermelho chegamos até à próxima esquina."celulaaaaaaaaar"....do outro lado também se pode ouvir, ao lado da música Popque se passa na Ricardo Eletro. Mais a frente um Brega nordestino vem do CD's companhia: "mulher magra não convém....não quero quebrar as costelas de ninguém"... "Dentiiiiiiiista! Orçamento é sem compromisso"e na loja de R$1.99 alguém canta sombrinha por R$4.99, o moço tem a língua presa....na verdade demorei pra entender que o que ele dizia era mesmo português. Um moço psaa com seu carrinho assuviando, antecipando a notícia que ele vai passar por ali, e o vendedor ambulante feliz aguarda o próximo comprador com seu radinho ligado em mãos. Uma música evangélica toca no camelô mais distante, e o barulho de trânsito se adensa quando chegamos na Rio de Janeiro. Agora na Itapuã toca Ana Carolina...mas antes estava rolando era um forrozão.




Nesse vídeo tentei representar um pouco do caos sonoro que presenciei nessa deriva. Mas mais que isso, fiquei impressionada como fazemos tantas vezes os sons dos outros como paisagem de fundo, e mais que isso, as próprias pessoas como figurantes...uma rápida conversa com um senhor cego que vendia variedades na esquina me fez ver que o som podem ter significados que são bem mais profundos quando nós assim permitirmos. Pra isso, a ousadia que te dá o caderninho de pesquisador de muito valhe.

Ana Cláudia Nunes

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