Postagem individual - Ronei Silva Sampaio
Em seu texto Caminhadas pela cidade, Certeau argumenta que quem sobe a grandes altitudes, como o World Trade Center, e é arrebatado pela sensação de onisciência e foge da massa triturante que solapa a identidade de autores e espectadores. Esse é o ponto de vista panóptico, uma das conformações estratégicas que figura do lado da superação do tempo em prol do lugar e da dominação do poder de saber (ações que dizem do planejamento urbano estratégicos)
A cidade vista de cima é apontada por Certeau como um simulacro teórico, ou seja, como um conceito que opera sobre a condição do esquecimento ou desconhecimento das práticas. Para o autor, é embaixo onde vivem os praticantes cotidianos da cidade. Eles falam e, acima de tudo, andam. É nesse movimento que eles constroem um texto urbano que não pode ser lido.
A reivindicação de Certeau acerca da consideração do lugar das práticas o aproxima de Hauser, crítico de arte, e de suas queixas quanto ao classicismo. A partir de um outro ponto de vista, este autor critica o classicismo por representar as figuras humanas através de conceitos, expressões vazias e abstratas que poderiam ser de qualquer um, gestos insossos que não correspondiam à potência do gestual humano. Cada um ao seu modo, Certeau e Hauser criticam o afastamento das concepções teóricas e artística do terreno da praxis, da ação dos indivíduos no mundo, de sua existência concreta.
O objetivo de Certeau é detectar práticas que fogem ao modo de ver panóptico, teórico, do planejamento. “Essas práticas do espaço remetem a uma forma específica de ‘operações’ (‘maneiras de fazer’), a uma “outra espacialidade’(uma experiência antropológica, poética e mítica do espaço) e a uma mobilidade opaca e cega da cidade habitada.” (CERTEAU, 1994, p. 172). Desta forma, o autor fala de uma cidade metafórica, transumante, como constituindo um outro texto que parece rolar sobre o texto claro da cidade planejada e visível.
Neste contexto, o autor aborda uma atividade comum nas cidades, o andar: a partir da metáfora do andar como um ato de enunciação, Certeau afirma que o andar é o elemento que constitui a própria cidade, que a reinventa. Ao caminhar, os indivíduos constituem caminhos novos, atalhos, reanimam espaços, condenam outros ao esquecimento. O andar é, desta forma, descontínuo, presente e fático. É descontínuo porque atualiza, de maneira não incerta, lugares, cria interdições e novas possibilidades. É presente porque diz da apropriação presente do sistema de enunciação e é fático porque confere certa organicidade a lugares e condena outros ao esquecimento.
Para concluir essa reflexão, sugiro três imagens: a primeira é de Atget, fotógrafo francês do surrealismo que, durante o século XIX produziu imagens de uma Paris vazia, habitada apenas pelos monumentos e pelas duras linhas que deles emergiam. O outro é Luciano Costa, fotógrafo contemporâneo que retratou Paris de maneira diferente de Atget, uma cidade animada. Ao que parece, Atget poderia traduzir em imagens o que seria uma cidade como Paris vista de um plano panóptico (ainda que o ângulo não seja o de cima). Já as imagens de Luciano poderiam exemplificar o registro das práticas, das intervenções no mundo, da recriação do cotidiano.
Atget



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