Postagem do texto apresentado, através de seminário, por João Paulo e Rafael Cerqueira.
Imaginarios urbanos e Imaginación Urbana
Razones de um malestar
O estudo dos imaginários e da imaginação é espaço para um conflito: enquanto que os imaginários urbanos são a reflexão cultural sobre as mais diversas formas em que as sociedades se representam nas cidades, constroem seus modos de comunicação e seus códigos de compreensão da vida urbana. A imaginação urbana trata da dimensão técno-política, feita geralmente por um corpo especializado de profissionais, acerca de como a cidade deve ser. O mal-estar decorre do conflito entre esses dois elementos. Ele é justificado no fato de que os estudos sobre imaginários urbanos são requisitados aos planejadores urbanos como meio de se produzir políticas públicas.
Gorelik descreve o contexto de produção intelectual sócio-urbano na América Latina, na convergência de diversas disciplinas como modo de abordagem de problemas tipicamente urbanos.
O autor aponta o nascimento dos estudos culturais urbanos na América Latina em três autores, durante a década de 70: Angel Rama, Jose Luis Romero e Richard Morse. Em suas primeiras definições de cultura, segundo o autor, imaginário e imaginação se mesclavam, formando parte de um mesmo desafio intelectual e político. A primeira definição de um possível campo de estudos culturais urbanos latino-americanos nasceu no mesmo período em que várias concepções que o basearam começavam a extinguir-se. Tal contexto, descrito pelo autor, foi não apenas de mudanças na cultura acadêmica, mas também de profundas transformações nas cidades latino-americanas.
Cartografias Urbanas
O autor propõe abordar os estudos culturais urbanos através de uma metáfora cartográfica. Ele aponta dois textos inaugurais da disciplina: A Invenção do Cotidiano, de Michel de Certeau (1980), e O Pós-modernismo como lógica cultural do capitalismo tardio, de Frederic Jameson (1983). Jameson, influenciado pelos estudos de Kevin Lynch (A Imagem da Cidade), por sua vez influenciado pelo trabalho de Edward Hall, sobre antropologia do espaço. A principal idéia promovida por este diálogo é a de recuperação do sentido de pertencimento dos habitantes urbanos através de uma reconquista do sentido de lugar. Outro autor citado por Gorelik, que deu grande contribuição aos estudos urbanos foi Michel Foucault, principalmente por suas reflexões sobre as reconsiderações culturais da cidade. A contribuição de Foucault para os estudos urbanos significou uma mudança na concepção de urbano, através da mescla de matrizes estruturalistas e fenomenológicas. Nesta perspectiva, a cidade pode ser compreendida como um espaço heterogêneo, socialmente produzido por uma trama de relações, onde ocorre a materialização da dinâmica das práticas sociais. É desta perspectiva que vai emergir os trabalhos de Certeau e Jameson.
Segundo Certeau, há um contraponto, na história da cartografia, ao discurso científico moderno. Trata-se da representação simbólica do espaço medieval, que o autor procura recuperá-la nos relatos espontâneos do uso da cidade. Ao processo descrito por ele, de autonomização dos mapas, ocorrido entre os séculos XV e XVIII, houve um progressivo desaparecimento dos itinerários escritos, inclusive nos mapas portuários, considerados, assim, como marcas empíricas produzidas pela observação dos navegantes. Para o autor, o plano moderno foi imposto a estes mapas, o que significou o triunfo da geometria abstrata do discurso científico frente ao sistema narrativo da experiência de viagem. Foi a supremacia da visão objetivista da realidade que inaugurou a representação em perspectiva, a compreensão moderna de um espaço-tempo homogêneo e matemático. A representação “perspectivista” do espaço inaugurou a transformação do feito urbano em conceito de cidade, de tal modo que substituiu a realidade com sua imagem planimétrica, imagem antes que não estava acessível às pessoas. Para fugir desta visão perspectivista, Certeau indica o nível do solo, onde se encontram os praticantes ordinários da cidade.
Para Jameson, a evolução cartográfica é um dos pontos mais avançados da história do progresso científico, permitindo a ascensão de uma forma cultural nova, que teve profunda repercussão nos estudos urbanos. Ele cita o exemplo dos mapas cognitivos, amparado nas idéias de Kevin Lynchy e Edward Hall: o sentido de pertencer dos habitantes das cidades se daria através de uma reconquista do sentido de lugar. Sua concepção de mapa cognitivo é considerada uma chave da cultura urbana pós-moderna: o traçado dos mapas cognitivos proporcionaria ao sujeito individual um novo e mais elevado sentido de lugar que ocupa no sistema global.
El fin del gran relato o el gran relato del fin
Tendo em vista as abordagens de Certeau e Jameson, Adrián Gorelik propõe duas questões. A primeira diz respeito à irregularidade da evolução dos estudos culturais urbanos na América Latina. Segundo Gorelik, correntemente se observa a produção de uma ampla variedade de trabalhos a respeito do tema no continente latino-americano que possuem um caráter hibrido, em cujo interior convivem visões opostas, simultaneamente de caráter pós-moderno e anti-moderno, por exemplo. A segunda questão para Gorelik é a seguinte: qual o efeito do imaginário acadêmico sobre o conhecimento da cidade? A resposta ou diagnóstico que este propõe é que a cidade de maneira geral perdeu a ilusão de projeto, a “cidade conceito” deu lugar à “cidade real”, que só pode ser conhecida quando rompidas as barreiras da homogeneidade social e cultural. A percepção de que são os técnicos que sabem das necessidades da cidade é com isso rechaçada, dando lugar à visão do técnico como um facilitador, aquele que remove os obstáculos para que a sociedade possa decidir o que é melhor para si.
Um problema que se coloca para Gorelik, no entanto, é como se dá a dinâmica quando o pensamento técnico apropria-se das críticas pós-modernas na elaboração e justificação de seus projetos. Ainda que não ofereça uma resposta definitiva para esta indagação, o autor afirma que a postura fundamental daquele que pretende pensar e transformar a cidade é a do reconhecimento de seu caráter essencialmente caótico. Talvez este esforço dos técnicos em aproximarem-se do discurso pós-moderno reflita justamente uma tentativa de conciliação com este caos.
Ainda com relação a esta dimensão do conflito entre os imaginários urbanos e a imaginação urbana, Gorelik aponta que o imbricamento destas instâncias tem levado a elaboração de novo mitos a respeito da elaboração de políticas municipais, com ênfase ao valor identitário das intervenções bem como uma vaga apelação cultural que tenta incluir de maneira artificial as comunidades no processo de modificação das metrópoles. O autor cita como exemplo as políticas de “preservação” ou “resgate cultural”, que seriam na verdade um esforço de estetização dos guetos. Tal exemplo remete ao caso da intervenção governamental no Pelourinho, em Salvador/BA, citado durante uma das aulas de Comunicação e Culturas Urbanas. Mais uma vez conforme Gorelik, o que se observa nestes casos é uma alocação destes espaços urbanos visando propiciar o consumo turístico, com ênfase no estímulo da economia urbana e levando a realocação da população.
Uma verdadeira democratização dos espaços urbanos, afirma Gorelik citando Canclini, deve sustentar que se refaça o mapa, o sentido global da sociabilidade urbana. Não basta que os planejadores se apropriem irrefletidamente das ponderações dos imaginários urbanos.
“A crise da cidade se acompanhou de uma crise das idéias para pensá-la (...)” (GORELIK, p. 278).
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
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