Caminhar: ato de enunciação. É o que Michel de Certeau defende em seu texto Caminhadas pela cidade. Para fazer essa afirmação, o autor compara o ato pedestre, de andar pela cidade, ao falar. Assim, o caminhar é uma enunciação pois o pedestre se apropria do sistema topográfico (como nos apropriamos da língua), faz do lugar um espaço (como fazemos da língua um som) e se relaciona com a cidade através dos seus movimentos (como nos relacionamos com o outro através da língua).
Mas o quê enunciamos, afinal? Pensando nessa questão, passei a reparar nas pessoas que andam pela cidade. Parei no banco da Praça da Raul Soares e fiquei a observar os transeuntes que passavam, principalmente, do outro lado da calçada. A maioria andava depressa e dava a impressão de estarem atrasadas, com a pretensão de chegar a um lugar específico. Outros passavam observando a região, principalmente a praça, agora reformada. O andar contemplativo mostrava um querer-conhecer. Pareciam forçar a memória para que, mais tarde, pudessem se lembrar de cada detalhe do local. Alguns, principalmente mulheres, tinham o andar duro. Era o medo de estar ali, perceptível, principalmente, pela força com que uma senhora segurava sua bolsa e olhava para trás de 5 em 5 minutos, como se estivesse sendo seguida.
Os movimentos eram feitos consciente ou inconscientemente. Não se sabe ao certo. Só os pedestres podem avaliar e nos dizer. E cada pessoa, mesmo que enunciasse quase a mesma coisa que um outro pedestre, fazia um caminho diferente. Assim como diz Michel de Certeau, “se é verdade que as florestas de gestos manifestam, então sua caminhada não poderia ser detida num quadro, nem o sentido de seus movimentos circunscritos num texto.” (CERTEAU. 2004:182).
É impossível descrever os detalhes do trajeto de uma caminhada, por quais caminhos passou, que gestos fez ao descer o meio-fio, aonde seus pés pararam para esperar o sinal abrir. O caminho que a pessoa percorre jamais será o mesmo. No instante só que ela acaba de dar um passo, não mais conseguirá reproduzi-lo.
Isso porque existe uma retórica da caminhada. A arte de moldar percursos, que implica estilos e usos. O estilo conota o que é de cada um, o singular. O uso, por sua vez, remete a uma norma, o que é normalmente feito. “Eles se cruzam para formar um estilo do uso, uma maneira de ser e maneira de fazer.” (CERTEAU. 2004:180).
Para além dos diferentes estilos e usos, a prática do espaço pode provocar o desvio do literal, desvio do sistema. O planejamento urbanístico da cidade prevê para os pedestres um caminho a ser seguido, um obstáculo na calçada a ser desviado e outras marcas definidoras do caminhar. O pedestre pode, no entanto, desobedecer. Andar por cima do obstáculo e fazer atalhos. A cidade impensada, assim, floresce. O campus da UFMG está cheio de exemplos de como o pedestre pode modificar o trajeto. Pode observar: todo gramado com um caminho em terra está ligando a calçada a algum prédio. Uma forma mais rápida de chegar a aula antes da chamada. Por quê não?
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2 comentários:
Postado por Juliana Galvão Afonso
(não entendi porque meu nome apareceu no marcador e não no "postagem"... eu heim?!)
heheh, vou tentar descobrir e te conto, Ju...
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